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segunda-feira, 18 de março de 2024

EU E O CUSCO



Tropeando num solaço

minha sombra acompanhava

e nela o cusco troteava

sem precisar da espora

com toda língua pra fora

lambia a própria baba

talvez sonhando com a água 

essencial naquela hora


Senti dó do velho cusco

que ali troteava comigo 

fiel parceiro e amigo

sempre pronto e voluntário 

atento e solidário 

nunca refugou parada

não tem carteira assinada

e nem protesta por salário 


É cruza da minha cadela

com um cachorro do vizinho

e já desde filhotinho

foi se apegando comigo

nunca sofreu um castigo

nem foi preso por corrente

pois quem se apega na gente

a gente tira pra amigo


E a lida do dia a dia

que vai na minha garupa 

às vezes arma arapucas

que preciso de socorro 

então ao cusco recorro

lembrando um ditado antigo 

"Mais vale um cachorro amigo

  do que um amigo cachorro"

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PROTESTO DA CUIA

 


Me levaram do galpão 

lá pra cozinha da china

pra um mate de cola fina

de térmica em vez de chaleira

e a cambona chiadeira

se recostou num tição 

saudosa do chimarrão 

das madrugadas campeiras

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

GOLES DE SAUDADE

 

Na hora do chimarrão,

pra judiar meu coração,

veio um gole de saudade.

Devagarito desceu,

queimando até o meu eu,

sem dó e nem piedade!


Meus lábios beijaram a prata

e daquele verde de mata,

veio de novo a saudade.

Me perguntei naquela hora:

por que eu vim lá de fora,

por que eu vim pra cidade?


Cada gole de saudade,

que sorvo aqui na cidade,

queima meu peito na hora.

Mesmo assim sigo mateando

e aos pouco vou consolando,

a ânsia de ir pra fora!


Numa postura de monge,

em pensamento vou longe

quando a saudade me vem.

Na cuia entrelaço os dedos,

pois talvez venham segredos,

nos goles que ainda tem.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

QUANDO "BOMBEIO" O CAMPO

 



Patrão do Céu agradeço

por estes momentos santos 

quando "bombeio" o campo

daquele guri madrinheiro 

mais tarde taura campeiro 

fazendo sempre o melhor

e onde derramei o suor

nos mormacentos janeiros


E nas geadas macanudas

ou na carga do Minuano

este taura pampiano

fosse de noite ou de dia 

a cavalo percorria

tendo o poncho como abrigo

e hoje  aqui só revivo

tudo tudo o que eu fazia


Minha vista não é a mesma

e vê o campo embaçado 

mal e mal divulgo o gado

e as ovelhas não vejo

do açude só um lampejo

quando o sol dá um pitaco

vislumbro lá longe o mato

palco de muitos falquejos


Mesmo assim te agradeço 

Patrão Bueno das Alturas

de permitir esta criatura

campeirar pelo passado

e que os olhos embaçados  

que enfumaçam o campo

sentem comigo num banco

pra que eu sonhe acordado

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A TAL DE SAUDADE


As galinhas num gingado

rumavam para o poleiro

as vacas vinham chegando

lá do fundo do potreiro

um guri tratava os porcos

o outro prendia os terneiros

e pelas "Ave Maria"

a tarde se despedia

no cantar do João Barreiro 


Assim terminava a tarde

assim findava o dia

a noite trazia a lua

cheia de encanto e magia

o vento quebrava o silêncio 

assobiando uma melodia 

uivava a cachorrada

e no rancho a gurizada

depois de uns causos dormia


Por volta da madrugada 

os mais velhos estavam em pé 

com uma boia de sal

reforçavam o café 

mais tarde a gurizada

com cara de jacaré 

repartiam a gamela

para tirar a remela

e os tatus do chaminé 


Lá em casa e na vizinhança 

o galo tocava o clarim

marcando a "hora da pegada"

pois tinha que ser assim

e depois no entrar do sol

a jornada tinha fim

e hoje  a tal de saudade 

quando vem para a cidade

sempre procura por mim

sábado, 23 de dezembro de 2023

RANCHO SANTO

 

Sob a proteção Divina
num rancho de santa-fé
com os filhos e a "muié"
morava o seu Antenor
conhecido benzedor
o qual além das fronteiras
suas rezas milagreiras
curavam o mal e a dor

Frente ao rústico oratório
de imagens bem povoado
ajoelhava-se concentrado
com toda sua devoção
segurava a testa com a mão
e permanecia em silêncio
velas acesas e um incenso
balbuciava a oração

Com um copo d' água e um ramo
com voz rouca e muito calma
aquela bendita alma
sem auxílio de missal
iniciava seu ritual
e o rancho de santa-fé
era um templo de fé
um reduto celestial

E naquele rancho santo
no meu tempo de guri
muitas vezes me benzi
pelas dores aturdido
e ficava encolhido
qual rodilha de cipó
no colo da minha vó
que me acariciava o ouvido

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

SOVA DE BAINHA

Desce da árvore miúdo

larga de ser teimoso 

já falei que é perigoso 

mas não houves meu conselho 

tu te ajeita fedelho

e trata de obedecer 

ou então vais aprender

na escola do meu relho


Montado em uma forcada

ele balançava as pernas

como quem já se governa

se achando o maioral

o "seu fulano de tal"

mas quando chegou o pai 

não teve de ai ai ai

e fechou o temporal


Mal botou o pé no chão 

teve um puchão na orelha

que nem ferroada de abelha 

dói como aquele doeu

até a mãe se comoveu

mas ficou firme a criatura 

e a bainha que era dura

com a sova amoleceu 


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

RIO GRANDE "GALPÃO" DO SUL


Rio Grande "Galpão" do Sul

que no cheiro da fumaça 

sinto quando tu passas

e segues batendo estrivo 

num flete raçudo e altivo

a pelear pelas coxilhas 

onde tauras Farroupilhas

morreram pra tu estar vivo


Chimarreando junto ao fogo

me vem a tua imagem

de bravura e de coragem

de raça e de amor

vejo o Pavilhão Tricolor

tremulando numa lança 

pra nos deixar como herança

a honra e o valor


E nas estradas que vou

a poeira é  tua fumaça 

que na volta me abraça 

com um aperto bem cinchado 

e com os olhos fechados 

seguro o chapéu nas mãos 

e no silêncio de uma oração 

agradeço o legado


Rio Grande "Galpão" de tauras

valentes e aguerridos

de heróis reconhecidos

pela fibra e a coragem 

e quando volto das viagens

que faço nos devaneios

dou vaza a meus anseios

pra te render homenagens 


O Patrão Maior te plantou

cravando fundo a raiz

para que no Sul do País 

os tauras tivessem abrigo

e desde o tempo antigo

"tu tranca o pé na macega"

e o gaúcho não se entrega

peleando junto contigo


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

UM NAQUINHO GAÚCHO

 

Do portão até a casa

dois carreiros de hibiscos

um  banco de cada lado

e a imagem de São Francisco 


Borboletas num bailado

muitas flores nos canteiros

e um rancho no cinamomo

pertencente ao João-Barreiro 


Na parede junto a aba

a casa de marimbondos

que quando eu enticava

levava ferrão no lombo


A verde grama aparada

um tapete natural

onde se aninha o sereno

com suas gotas de cristal


Uma centenária figueira 

espalha a sombra no chão 

lá na sanga o carneiro

bate e bate o coração 


Pequena mata nativa

lar de muitos passarinhos

que passam horas cantando

pra retribuir o carinho


É um naquinho gaúcho 

é nossa querência amada

para o descanso da família 

e a bagunça da piazada

sábado, 9 de dezembro de 2023

UM SURUNGO DE RESPEITO

Botei uma encilha a capricho

vesti uma pilcha de gala

engarupei o meu pala

e me benzi no bolicho


Segui num trote marchado

"sombrero" tapeado ao vento

e dentro dele o pensamento

nas chinas lá no povoado


O sábado prometia

que a noite ia ser baguala

daquelas de encher a sala

se misturando com o dia


Dos quatro pontos cardeais

viriam chinas as pencas

e com elas as encrencas

e algumas "coisitas" mais


Uma gaita de oito baixos

fez convite pra um legueiro

se acenderam os candieiros

e se assanharam os

machos


Na copa ninguém ficou

nem pensavam em peleias

e até para as mais feias

um "ossito" também sobrou


A voz de um missioneiro

ultrapassou a fronteira

na sala levantou poeira

e a lua clareou o terreiro


As botas batiam taco

e se arrastavam as "alpargatas"

e lindas chinas mulatas

já debaixo do sovaco


Os pares num tom brejeiro

se ajeitando aos pouco

na copa voltou o sufoco

mas se alegrou o copeiro


Servia licor pras chinas

e para os machos cachaça

pros velhos tinha bolacha

e "una sopa de gallina"


O gaiteiro não se entregou

nem o cuera do legueiro

e o cantador missioneiro

cantando se debochou


Um surungo de respeito

de se "sacar el sombrero"

e os mortos no terreiro

no outro dia deram um jeito