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sábado, 30 de junho de 2012

NO TEMPERO DO SOL

                                                     Foto de Giancarlo M. de Moraes

Desceu roncando pra várzea,
o trator com um arado,
levando um peão tarimbado,
para lidar no plantio,
fincar na terra a semente,
no tempero do sol quente
e a água vinda do rio.

As taipas vão serpenteando,
pela lavoura afora,
esperando então a hora,
do banho inaugural,
enchendo quadro por quadro,
qual um piso espelhado,
pra verdejar o arrozal.

Bate o trator noite e dia,
num compasso redundante,
bombando lá no levante,
como sendo um coração
e se aprontando a lavoura,
torna-se uma prenda loura,
por quem se apaixona o peão.

Depois da farta colheita,
pras casas o trator volta
e muita china se solta,
levando as crias consigo,
se espalhando na lavoura,
qual exército de vassouras,
pra recrutar o respigo.

ASSIM QUE DER




Há dias venho com ânsia,
de abrir o baú do tempo,
pra reencontrar minha infância,
que está guardada lá dentro.

Vou revirar com cuidado,
pra que nada se estrague,
pois uma volta ao passado,
não há dinheiro que pague.

O tempo me anda escasso,
mas assim que der eu faço,
minha viagem ilusória.

Tenho certeza e garanto,
que encontrarei lá num canto,
o livro com minha história!

terça-feira, 26 de junho de 2012

RAÇUDO



Cedito deixou o rancho,
apesar do frio intenso
e um ventito tenebroso,
que se enfiava cargoso,
entre o pescoço e o lenço.

Para aquecer a carcaça,
um velho poncho castelhano,
parceiro de outras andanças,
que cobria até a anca,
daquele flete tobiano.

Num galopito estirado
deixava o frio para trás,
um taura forte e raçudo,
gaúcho acima de tudo,
que não se entrega assim no mas!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

PILCHA

Foto própria
                                                                     


Sombreando minha melena,
um debochado chapéu,
que volta e meia eu ajeito,
ou retiro com respeito,
pra prosear com o Pai do Céu!

Uma camisa de manga,
amarelada do tempo
e por vezes uma blusa,
quando o Minuano abusa,
lambendo as franjas do lenço.

Na cintura a guaiaca,
lonqueada de um capincho,
se desprende com a fivela,
quando eu preciso dela,
pra resolver um bochincho.

A bombacha de riscado,
hoje com o pano puído,
é veste do dia a dia,
mas quando nova, se escondia,
nas chitas de algum vestido.

Minhas botas campeiras,
já pelos loros marcadas,
sustentam esporas rasteiras,
o esterco das mangueiras,
junto com o pó das estradas.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

COISAS DE GURI

Foto de Giancarlo M. de Moraes
                               

Dos dez irmãos, o mais novo sempre foi o sortudo pra criação. Mal começou a caminhar, já andava pelo terreiro com um cestinho, feito de palha de milho, atirando grãos pra bicharada. Tinha certa preferência pelas polacas.

Galinha que deitavam pra ele, não gorava um ovo. Leitoas cresciam e se tornavam porcas criadeiras. Teve uma que deu tanto leitão que faltou teta pra os bichinhos mamar. Aí é claro, teve que ser usada a velha mamadeira, que ele ajudava segurar.

Quando aprendeu a falar, batizava seus bichos, quase sempre com nome de pessoas, e se a gente prestasse atenção, havia uma semelhança entre o bicho e o nome escolhido.

No aniversário do primeiro ano, ganhou dos padrinhos uma terneira salina, que a vaca morrera no parto.   Criada em volta da casa, mimada e tratada a pão-de-ló, a Donzela causava inveja. Quando foi na hora da cria, pariu duas terneiras.

Teve uma galinha batizada por “Perdiz” que foi uma das suas preferidas. O ninho dela era dentro do forno. Durante o choco ele atravessava uma tábua na entrada pra os pintos não caírem lá de cima. De noite atava um cachorro no pé do forno pra que as raposas não subissem no ninho.

Com esta mesma sorte, foram crescendo, tanto ele como a criação. Era muito interessado, cuidadoso e bom pros bichos. Ficava brasino se alguém judiasse dos animais.

Tinha muito tino pra negociar. Muitas vezes levou até ao ônibus que fazia a linha, dúzias e dúzias de ovos pra vender. Além disso, trocava com os vizinhos galos, patos, marrecos, pra mo de não refinar. Cansou de trazer barrascos cabresteados por uma perna.

Sabia onde ficavam todos os ninhos das galinhas que criava. Chegava até ter pretensão de identificar os ovos das dele no meio dos outros.

Hoje, casado, continua no mesmo tranco. O caçula parece que herdou do pai a índole do São Francisco.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

...DA ESCOLA

Com as rédeas atadas,
na cabeça do lombilho,
cansei de sovar a estrada,
no meu petiço tordilho.

Por ali era o caminho,
que eu trilhava todo o dia,
às vezes indo sozinho
e outras em companhia.

Foi assim todo o primário,
não chego a ser literário,
mas leio e escrevo, afinal.

Tudo isto teve um preço
e com saudades agradeço,
à professora rural!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

SERENATA


Foto de Giancarlo M. de Moraes

O dia pegou no sono
o rancho também dormiu
ninado pelo assobio
do vento lá nas taquaras
a lua brilhava clara
porém na sombra segredos
quando um xiru passeou os dedos
numa  gaita malacara

A cordeona abriu a goela
na noite que vinha calma
e o cantor cantou com alma
naquele clarão de prata
a luz descia em cascata
dançando com os pirilampos
enfeitiçados com o canto
e o encanto da serenata

Uma silhueta de tranças
se debruçou na janela
deixando a noite mais bela
como num conto de fada
e o cantor da madrugada
cantando sua paixão
entregou seu coração
depois seguiu pela estrada