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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

COSAS DA NATUREZA


A trumenta não durô
forum poco us tufão
um rancô o cinamão
du banhero das oveia
outro levantô as teia
e foi aquele isparramo
oigalê que há muntos ano
não via cosa tão feia

Premero veiu ua puerama
incheu de terra meus zóio
inda arde quando óio
paréci qui tem arguero
a eguada nu potrero
curria feito uas loca
i u vento dando-le boca
dibuiava us pissiguero

Da jinela du ranchu
este nego véio bombiava
aquela trumenta braba
levando tudu pur diante
u miaredo lá adiante
que já tava imbunecrado
u ventu deixô deitado
tarveiz inda se levante

Vuaru as foia de zincu
lá du banhero du gado
i noutro tufão danado
se foi mais um cinamão
um macanudu truvão
e a chuva véia botô
cada pingu meu sinhô
fazia furu nu chão

U ventu foi se acarmando
i aumentando u aguacero
foi inundando u terrero
i era relâmpio i truvuada
a minha véia ajueiada
rezava quieta num canto
ua vela acesa pru santo
i a parma benta queimada

Forum treis hora de água
mais u meno pur aí
quando mermô eu saí
pra ua vorta nu terrero
era tudu um aguacero
a lagoa inté as guela
i água meia custela
nus pórco lá nu chiquero

Graça a Deus não foi nada
pru qui pudia te sido
tava tudu retrucido
i cacaredo prus lado
montão de gaiu quebradu
ispaiado pelu chão
i u cano du fogão
num ocalípio engaiado

Inda bem ninguém morreu
nossu ranchu tá impé
só um naco du santafé
se disfiô lá na cunhera
vô te qui arrumá a gotera
i u cano du fogão
i arrastá us cinamão
lá pru garpão da lenhera

Não é a premera veiz
qui ventu faiz isparramo
mais nada dissu recramo
nem mesmo minha pobreza
não fartandu pão na mesa
i tandu beim de saúdi
peço que Jesuis me ajudi
são cosas da natureza

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

EXALTAÇÃO TELÚRICA


Sou o canto espichado
de um galo nas madrugadas,
sou palanque nas invernadas,
sou do meu pago a estampa,
sou entrevero de guampas
sou o assobio do vento,
sou sentinela atento
nas coxilhas deste pampa.

Sou rancho de João-de-barro,
sou um umbu majestoso,
sou potro abanando o toso,
sou um lenço colorado,
sou legenda do passado,
sou um caminho no campo,
sou brilho de pirilampo
iluminando meu pago.

Sou gado manso das casas
ruminando no potreiro,
sou o grito do campeiro,
sou veterano sou taita,
sou resistência de taipa,
sou esteio de galpão,
sou afinado violão
amadrinhando uma gaita.

Sou mato virgem de lei,
sou rio manso serpenteando,
sou domador se agarrando,
sou o pasto verdejante,
sou o oh de casa! do andante,
sou o sol de um novo dia,
sou voz que não silencia
exaltando meu Rio Grande!

domingo, 1 de dezembro de 2013

AMOR À MODA ANTIGA





A madrugada preguiçosa de um domingo de primavera despertou com o clarim de um galo, cujo dormitório ficava no condomínio dos galhos secos de uma velha laranjeira, bem no oitão da cozinha do rancho do Belarmino. Ele nunca perdera para o cantor emplumado, mas naquela madrugada, pela primeira vez foi surpreendido, talvez por motivo do bailezito regado a licores, na festa das bodas de ouro de um compadre. Isso o fez ir para a cama pouco antes da hora de levantar.

Abriu os olhos de vagarinho, ainda pesados de sono e uma bruta dor de cabeça. Virou para o lado onde a patroa dormia pesadamente e com um pouco de remorso, cutucou-a com cuidado. Ela sobressaltada falou meio assustada:

- O que foi Mino?

- Não te apoquenta muié, vai fazê um chá de carqueja que minha cuca vai istorá de tanta dor e zuêra...

- Quem te mandou exagerar na dose? Vai tu na cozinha, eu vou é virar pro canto e dormir de novo. Seu provalecido...

E lá vai o Belarmino arrastando o chinelo e resmungando:

- Bem dizem por aí que as muié não são mais as mesma de antigamente. Barbaridade, aonde os home vão pará desse jeito? Ai minha cabeça!

Lá da cama, Zilá retrucou:

- Eu sei onde os homens vão parar. Vão parar num canto de galpão, cobertos de picumã, com o bigode amarelo do pito, com tosse e cada vez mais "ranzina".

- Vai te afumentá sua véia caduca. Por acaso tu também não tem tuas manha? Eu sei bem. Não é de hoje que te conheço, aguentando tuas denguice, menospausas e inchacuêcas. Até já perdi a conta de quantas noite tive que levantá pra te fazê chá de marcela com maçanilha. Sem contá quando te atacava do “figo” e eu tinha que ficá sigurando o pinico enquanto tu botava o dedo na guela pra mode vumitá. Agora que tocou pra mim tu tá com nhem nhem nhem.

- Me deixa dormir e vai tirar leite que não aguento mais esse terneiro berrando, debochou a velha.

Belarmino foi até a cozinha e começou a procurar as coisas e a praguejar:

- Onde será que essa muié iscondeu os fofre? Como vou acendê o fogo sem achá eles? – Ah, táqui, caído atráis do fogão! Eta muié distraída a Zilá...

E agora, onde estaria a bendita carqueja? Procurou nas gavetas do armário, na prateleirinha acima do fogão, por aqui, ali, acolá e nada! Como a maioria dos homens, ele nunca achava nada, mesmo estando no mesmo lugar onde sempre esteve...

- Aonde a Zilá botou a carqueja seca de fazê chá? Será que ela não podia adivinhá que eu ia bebê uns trago a mais? Bota burrice, nisso! Vou te que chamá a danada! Mas quem manda ela iscondê os trecos de mim? E começou a berrar o nome da mulher, a sapatear e fungar num acesso de brabeza.

Zilá acordou sobressaltada pela segunda vez naquela manhã e também deu um berro:

- O que foi agora homem? Morreu alguém? Ta pegando fogo na casa? Meu Deus!

Levantou rápido e não achando o chinelo a jeito, saiu de pés descalços, meio trambalhando e tropeçando nas portas:

- Mas o que foi criatura? Que bicho te mordeu? Quer me matar de susto?

- Eu é que te pergunto: - Onde tá a carqueja seca, pra fazê chá que tu iscondeu de mim? Decerto é pra me castigá porque tu imaginou que eu ia bebê uns gole a mais... Sua bruaca, vingativa, sua...sua...

- Pode parar seu bruto, bebarrão, caduco...Tu olhou dentro daquele pote de barro verde, encima da prateleirinha, acima do fogão, onde a carqueja pra chá, fica guardada  desde o nosso casamento?...

- Ai! Minha cabeça vai istorá os miólo, resmungou o velho.

Zilá deu um chega pra lá com a anca no Mino que ainda estava um pouco sob o efeito do licor. Pegou a carqueja e quase esfregou no bigode dele. Foi para o lado do bacieiro com um caneco de água, despejou na bacia, lavou o rosto, molhou o cabelo, gargarejou um pouco de água e iniciou a retocar o penteado que havia sido feito no capricho para as bodas dos compadres.

Emburrado, ele foi para o galpão, dizendo que o chá na cambona ficava mais forte e fazia efeito mais ligeiro.

- Vai pra lá com isso, disse ela, o efeito eu sei bem do que é. Tu parece que tem bucho de corvo e guela de socó. Agora tá aí, querendo mimo. Toma logo a chapuerada e não esquece que ainda tem que tirar leite, tu sabe que não tomo café preto.

Depois de toda essa cena, Belarmino foi pro galpão e ainda resmungando, finalmente acendeu o fogo de chão e conseguiu fazer o chá milagroso. Sentou num cepo e tomando os goles, começou a falar com seus botões:

- Pensando bem, a Zilá é uma boa muié! É trabaiadera, inconômica e quando ta carminha até me chama de mimoso... Acho que vou vortá pra cozinha e fazê as paiz com ela, sinão vai me tocá fazê boia e tudo mais. Bem que eu quiria deitá e tirá um bom sono mais tarde pra matá de veiz a ressaca.

E...ao chegar de volta à casa, já na porta começou colocar o seu plano em prática:

- Véinha, vortou pra cama? Sabe que a porca ta mais gorda? Vai dá um bom assado quando os guris chegarem.  – Agora vô tirá um leitinho, espumado, bem morninho pra minha chinoca tomá o cafezinho bem gostoso. Ta bom, véinha?

Zilá ouviu tudinho lá do quarto, enquanto o “toc, toc” dos tamancos do Mino denunciava seu deslocamento para a mangueira.

Mais ou menos vinte minutos, voltou com o leite e ao se aproximar da cozinha, sentiu o cheiro gostoso do café que estava sendo passado. A mesa já estava arrumada e enquanto o leite fervia, Belarmino lavou as mãos na mesma água da bacia em que a Zilá havia usado, passou no cabelo, depois as enxugou na perna da bombacha, com a reprovação dela, o que não retrucou, apenas fez um carinho.

Sentaram-se à mesa, onde trocaram olhares como nos velhos tempos em que ele frequentava a casa da noiva.

(Escrito em parceria com minha prenda Marilene M. de Moraes)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A CHUVA, EU E O GRILO


As nuvens chegaram gordas,
bem antes do meio dia,
a moura virou a anca,
contra a chuva que caía.
O gado buscou abrigo,
entre as árvores do capão,
enquanto o campo encharcava,
naquele dia chorão.

 Eu escutava a voz do vento,
o chiado da chaleira,
o lamento da panela,
no “tióc, tióc” da goteira,
um galo abrindo o peito,
já “em riba” do poleiro,
uma zebua berrando
e a resposta do terneiro.

“Bombiei d’uma” janela,
vendo a cortina de chuva,
que de lambuja lavava,
as orelhas da timbuava.
O lusco-fusco chegou,
bem antes da sua hora,
trazendo a noite a cabresto,
pra este rancho aqui fora.

Enroscado nas cobertas,
apaguei o lampião
e um grilo buscando amor,
se rasgou numa canção.
Solitário e sem sono,
vi quando o dia amanheceu,
“loco d’inveja” do grilo,
que foi mais feliz que eu.




segunda-feira, 25 de novembro de 2013

TAFONA

  
Na antiga estrada,
jaz abandonada,
a velha tafona.
Paredes rachadas,
quase destelhada
e a "cunheira" cilhona.

Lembro que tinha
boa farinha,
de trigo, de milho
e uma petiça pitoca,
que trazia a mandioca,
para virar polvilho.

Eu achava engraçado,
o pessoal matizado
malhado com o pó
e redondas pedras,
onde o grão se quebra,
chamadas de mó.

sábado, 23 de novembro de 2013

ACIDENTE CAMPEIRO


Um rapazito foi passar uns dias com o tio que era capataz de uma fazenda. Beirando seus dezesseis anos, era meio afoito pra certas lidas.

Pois bem, num determinado fim de semana, o tio fora dar uma mão pra um vizinho e o sobrinho foi junto, já que de antemão tinha sido convidado.

Encilharam e foram. Ele numa potranca na doma. Uma rosilha malacara, pra lá de buena, ainda com certas baldas, sendo uma delas de assustar-se por nada.

Na vizinhança, todos já sabiam que o sobrinho era meio que metido a sabido, porém não era chato. Coisa de adolescente pachola.

Chegaram na casa do vizinho bem cedito, onde um outro vizinho estava moendo cana pra fazer melado.

Depois dos boleia a perna! Chegue pra diante! Foram convidados pra tomar um café antes de saírem pro campo. O rapazito agradeceu e se chegou pra o lado do engenho e “se atracou” a beber “guarapa” (caldo da cana moída). Bebeu muitos canecos, muitos!

Quando os demais voltaram do café, alçaram a perna e com a cachorrada de atrás, partiram pra o que devia ser feito. Ele montou, pacholeou e seguiu também.

A expectativa da rapaziada era ver a atuação do novato, de apreciar o desempenho do “sobrinho”, como foi apelidado.

A potranca se passarinhava a toda hora, pisava na ponta dos cascos num trotezito ligeiro, não passando ao galope porque o “sobrinho” sujeitava o bocal que espumava na boca da rosilha.

Mas com o trote, a “guarapa” começou a galopar nas tripas do “sobrinho”, causando um barulho como se dentro da barriga estava acontecendo uma corrida de Fórmula 1. No começo tudo bem, mas a coisa foi apertando, apertando e a bunda já não se ajeitava direito no basto. Quieto ele seguia apertando a rosca o mais não poder.

Na primeira porteira que surgiu, voluntariou-se pra abrir, já com a intenção de aliviar a buchada, pois não aguentava mais nem respirar.

Boleou a perna, abriu a porteira e o pessoal passou. Disfarçando voltar pra fechar, esgueirou-se por entre as macegas com a rosilha no cabresto, baixou a bombacha e mandou pra fora a “guarapeira” que desceu roncando.

Tudo estaria normal, não fosse a potranca se assustar e sentar no buçal, fazendo com que ele desequilibrasse e caísse sentado pra trás, em cima do que tinha feito. Foi a farra do resto da turma que já antevira o efeito da “guarapada” que roncava no bucho dele.

Em meio as risadas dos demais, ele saiu com a rosilha no cabresto e maneado na bombacha “enguarapada” na direção dum açudezinho, onde “relampiando” a bunda branca, deixou a água poluída.

Pela mesma porteira voltou rumo a casa cabresteando a malacara.

Quando à tardinha, o tio retornou da lida, nem rastro do rapazinho. Tinha se mandado a pezito no más pra querência donde viera.

sábado, 16 de novembro de 2013

ENCOLHENDO A CUIA




Venho sufocado com a carestia
neste dia a dia que Deus me reserva
passo no bolicho bem desanimado
e inconformado com o preço da erva
já deixei do pito pra bem do “polmão”
mas com o chimarrão não dá pra “pará”
vou cevar o mate em cuia pequena
e chorar as penas do jeito que dá

“Para disfarçar um pouco o calote
enfeitam o pacote com brilho e brasão
e botam pra dentro tanta porcaria
baita judiaria pra o pobre do peão”

É muita tristeza para um gaúcho
em privar o bucho dum mate espumoso
e ter de passar por este sacrifício  
sem saciar o vício é igual sarnoso
que saudade sinto quando enchia a lata
da erva barata na venda do João
e uma cuia “véia” de botar inveja
dessas que caleja a concha da mão

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

CASEIREANDO


Um vento frio entrou pela fresta do galpão acordando o rapazinho. Além de ter dormido mal naquela noite, devido a umas histórias de assombro que se comentava sobre a casa, mais aquilo ainda. Sempre que pousava fora de casa era assim. Quis se aborrecer, mas se deu conta que já estava na hora de deixar as cobertas.
Veio dormir ali porque os donos da casa e os empregados iam sair cedo. Na cidade iriam pra festa de formatura de um dos filhos e ele ficaria caseireando.
A filha caçula dos donos da casa, quando estudava com ele na escola, até que trocavam olhares. Não chegava a ser namorico, mas um calorzito dentro do peito era sentido. A guria era bonitinha e safada, dava umas linhadas pra ele, porém ele sabia que sendo filho registrado só no nome da mãe e mulato, estava descartado qualquer namoro, apesar de ser gente boa. Essa gente mais antiga dava muita importância pra isso.
Passou os dias em roda de casa. De vez em quando puxava a gaita de boca do bolso, soprava algumas notas sem formar música, o que era contestado pelo uivo de um cusquinho mimoso. Aquilo foi repetido várias vezes. Ele achava engraçado o cusco uivar com o pescoço bem espichado e de olho fechado. Se o toque se prolongasse muito, o mijo do animalzinho escorria no terreiro.
Foi recomendado que a boia do cachorro que estava atado era pra atirar de longe. Não facilitasse com o Tufão. Se chovesse, recolher os queijos. Tomasse sentido também que de vez em quando um gato aparecia pra pegar pinto. Se aparecesse algum estranho não falasse muito e dissesse que o patrão estava no vizinho.
Na hora de dormir, apagar bem o fogo. Que afastasse bem os tições...
A noite não é igual quando se dorme fora. A responsabilidade de cuidar da casa e uma sensação estranha, pra não dizer medo, fazia com que o sono não chegasse. Chegou até a tapar a cabeça. Será que os assombros se manifestariam? Depois de muito se revirar, pegou no sono. Parece que não deu tempo de sonhos, ou não se lembra se sonhou, o fato é que o dia vinha chegando. O canto do galo parecia longe, porém quando destapou a cabeça...
Assim passou o sábado e o domingo. Uma laranja de vez em quando, daí a pouco uma bergamota...
Na segunda de manhã, o caseiro se preparava pra tirar leite quando ouviu o rumor do carro da família que voltava. Tufão parecia que ia rebentar a corrente. Maneou a vaca e foi abrir a porteira.  Será que a caçula não viria junto? Pois não veio. O rapazito ajudou a descarregar a caminhoneta e voltou pra mangueira.
Entregou na porta um balde espumante de leite. Foi convidado a entrar.
Na cozinha, depois de um bom café, a patroa lhe presenteou com uma bombacha castelhana e mais umas caixas com salgadinhos da festa, além de uns bons trocados e elogios de que tudo estava bem.
- Então até outro dia! Quando precisarem estarei pronto!
Assim, pegou o chapéu, a estrada e de vez em quando abria o pacote pra espiar a bombacha nova.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O VELHO BUGRE E O HOMEM DO CARROÇÃO




Passava um pouco do meio dia. O sol tinia de quente. Um dos cachorros deu um avanço. Olharam pela janela e viram que despontava na estrada um carroção de quatro rodas, coberto por uma tolda de pano e puxado por dois cavalos “lazão” malacara.

Era conduzido por um homem claro, de chapéu com abas pequenas e a copa redonda. Usava óculos e botas estilo caipira e falava com sotaque de estrangeiro.
Parou na estrada em frente à porteira, levantou-se do banco tirou o chapéu e pediu licença.

- Vai lá guri, abre a porteira, manda o homem passar e leva o carroção pra sombra das taquareiras, disse o pai.

O guri foi. O homem apeou, se dirigiu pro lado da casa, onde o dono esperava.

Ao conduzir o carroção pra sombra, o guri viu que sentado no recavém, com as pernas dependuradas, vinha um bugre velho. Ajudou desatrelar os cavalos e alcançando um porongo, cortado em forma de tigela, pediu água, depois deitou num vão entre as taquaras.

O dono do carroção sentou-se à sombra, tirou um lenço pra enxugar a testa e comentou sobre o calor.

Perguntado se já havia almoçado, disse que sim. O dono da casa ainda perguntou de onde ele viera e ele disse: de muito longe!

- Aceita um mate?

- Não, só um pouco de água.

Entre um gole e outro, o homem perguntou se a família era grande.

-Eu, a mulher, este guri, aquela pequena que está agarrada no vestido da mãe e (depois de um pigarro e olhar tristonho continuou) uma menina moça que está muito doente lá no quarto. Trouxemos ontem do hospital, desenganada.

- O que houve?

- Sabe o senhor? Quando veio as “regra” ela tomou banho na água fria da fonte, enquanto lavava roupa. De lá pra cá, nunca mais se afirmou.

O homem pediu pra ver a mocinha. Depois foi no carroção e voltou vestido com um roupão branco e uma maletinha na mão. Mandou que todos fechassem os olhos e que tivessem muita fé. Só era pra abrir os olhos quando ele mandasse. Assim foi feito.

Não lembram os minutos que ficaram de olhos fechados e nem viram o que foi feito. Lembram de que tudo ficou no mais absoluto silêncio.

O homem voltou no carroção, tirou o roupão e veio pra sombra. Pediu que nada fosse falado no que havia acontecido minutos atrás  e que só fossem no quarto da mocinha, depois que ele fosse embora. Continuou falando apenas de coisas comuns, por mais um tempo.

Assim a tarde foi passando, até ele pedir que atrelassem os cavalos pra ir mais adiante.

Foram até a porteira com ele, porém o guri notou a falta do bugre. Intrigado, indagou ao homem: o bugre não vai junto? Ele respondeu que o bugre quando foi chamá-lo, disse que há muito tempo morava ali.

A roda do carroção desquinou o barranco deixando a descoberto um caco de panela de barro.

Quando voltaram pra dentro de casa, a mocinha caminhava pela casa como antes da doença.

Na vizinhança ninguém viu o carroção passando pela estrada.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

CACIMBA

Desenho próprio
Um espelho no olho d’água
contra o barranco da sanga,
onde se miram pitangas
araticuns e ingás
e um pé de cambará
abana-te preguiçoso,
junto ao canto melodioso
da garganta do sabiá.

A tabatinga vermelha
forma a tua moldura,
abençoada água pura
que vem de dentro do chão,
bebi no meu chimarrão
de tardezita sentado
e aqui às vezes “acocado”,
bebi na concha da mão.

Nesta fonte cristalina,
mais de uma vez por dia,
os porongos eu enchia,
quando pequeno aqui
e me mirava em ti,
pelo rosto a mão passando
pra ver se estava despontando
a barba neste guri.

Nunca esquecerei cacimba
que esta água corrente,
matou a sede da gente,
por muitos anos a fio
e sinto até um arrepio,
de te encontrar novamente
e saber que és a mesma vertente
que o bisavô descobriu.

Hoje voltei outra vez
para matar a saudade
e saciar a vontade,
num gole bem macanudo,
pois eu sei que farás tudo
pra refrescar o guri,
que agora se mira em ti,
porém crescido e barbudo!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

UM CORAÇÃO CABORTEIRO

Foto de Giancarlo M. de Moraes

Um coração caborteiro
andava com ânsias de voar
talvez por estar solteiro
sem um lugar pra pousar

E foi num certo farrancho
que encontrou o seu par
e pousaram juntos num rancho
matando a ânsia de voar

E assim mudou o compasso
com os beijos e abraços
tarefas do dia a dia

E o coração caborteiro
domou-se então por inteiro
sob o arreio das crias

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

... DO TEMPO



Há muitos anos estou aqui, mais de um século, no mesmo lugar. Enquanto muitos foram e voltaram, outros foram e não voltaram e outros nem foram, eu permaneço aqui.

Ouvi os gemidos da tua bisavó parindo teu avô, o choro e a reza das mulheres por causa das peleias com os castelhanos. Ouvi também os gemidos da tua avó “ganhando” teu pai; os da tua mãe, quando nasceste; da tua esposa, quando teu filho veio ao mundo e da tua nora dando a luz ao teu neto.

Sou do tempo que as honrarias eram conquistadas debaixo da fumaça, do tempo que pra tudo se tinha tempo.

Enfrentei tardes quentes, mormacentas... Madrugadas frias, de geadas macanudas, ventos, chuvas de pedra, raios e até o fogo já me chamuscou.

Vi pessoas, animais e árvores nascer e morrer. Conheci a fauna e a flora que não te alcançou. A culpa não foi minha.

Sei que estou velho. Um dia também serei recordado somente através dos retratos.

Porém meu filho, tu tiveste a sensibilidade de me causar uma grande alegria.  Obrigado por teres mandado reformar este velho casarão. As fotos de agora ficarão mais bonitas, porque até o ano em que nasci mandaste pintar na minha testa!



PÁSSAROS


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

TARDE VERANEIRA




O vento teve um descanso,
numa tarde veraneira
e as nuvens num jeito manso,
aguardavam na fileira
e se achavam bonitas
refletidas na água azul,
tal um cartão de visita
deste pago aqui do sul!

Os gaviões de bico afiados,
espreitam alguma changa
e os sabiás cantam afinados,
no capão junto as pitangas,
a estrada não tem poeira
e espera algum andante,
numa tarde veraneira,
na coxilha verdejante!

E assim passa o tempo,
com estas tardes no pago,
e quando volta o vento,
as nuvens vão a “lo largo”,
reunirem-se num rodeio,
quebrando então a quietude
e depois com fartos seios,
virão amamentar o açude!