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quarta-feira, 29 de maio de 2013

TENTOS VERDES

Desenho próprio
Coriei um pé de embira,
lá no capão da invernada
e da casca desfolhada,
fui desfiando em tiras
e uma "trança de mentira",
aos poucos ia formando,
se espichando, se espichando,
sendo medida com o braço
e a argolinha de um basto,
na ilhapa se ajeitando.

Lá no jirau do galpão,
trabalhei escondidito,
gosto de lidar solito,
pois não queria opinião,
sentindo câimbra na mão,
mas não era por acaso,
talvez até por desazo
e outras lidas de rotina,
a palma da mão já fina,
pra fazer dentro do prazo.

Foi invenção da gurizada,
pra um rodeio no arvoredo,
porém guardando segredo
e a criação reservada,
patos, marrecos, a cuscada,
leitões guaxos e angolistas
e nós seríamos os artistas,
barba de carvão na cara,
com os fletes de taquara,
mandando corda na pista.

E o domingo chegou
e com ele o retoço,
lá da horta até o poço,
uma pista se ajeitou
e o primeiro que saltou,
um baita pato picaço,
não correu nem foi a passos,
bateu asas e se foi,
e como eu lacei o “boi”,
levou pro açude meu laço.

Foi a farra dos guris,
diante daquela proeza,
mas eu demonstrei firmeza,
é até ao açude corri,
fiz que nem um lambari,
ziguezagueando por isca,
repontei o pato pra pista
e não perdi pra o picaço
pois os tentos verdes do laço,
garantiram minha conquista.

Isto foi lá na infância,
tempito bueno que tive,
que a cada dia revive,
neste meu eu criança
e os tentos daquelas tranças,
dentro de mim amarrados,
me mantém enraizado,
naquele costume antigo,
que ainda trago comigo,
apresilhando o passado!

terça-feira, 28 de maio de 2013

LÓGICA EQUINA

 O patrão era acostumado a encilhar o cavalo e a conversar com ele, durante a encilha e a lida.

Um certo dia, se atrasou e pediu a um peão que era meio “estabanado” para encilhar. Na pressa, o cavalo foi encilhado e o patrão, que por sinal pesava lá seus cento e poucos quilos, alçou a perna e saiu pra lida.

Já havia andado um bom trecho, quando voltou à calma e se deu conta de que não tinha conversado com o animal, que por sua vez também só balbuciava uns resmungos por entre os dentes.

O patrão então deu um tapa de leve na tábua do pescoço do cavalo e após cumprimentar, perguntou o que tava acontecendo e qual o motivo dos resmungos. A resposta foi só resmungos. O diálogo parou por aí, já que o cavaleiro tinha o pavio meio curto e o cavalo sabia.

De volta pras casas, chegou a hora da desencilha e o patrão perguntou ao cavalo se já tinha passado a crise de “emburramento” e só ouviu resmungos por entre os dentes.

O patrão estourou e disse que não falaria mais com ele, pois que fosse curtir seu mau humor onde bem quisesse.

Ao se ver só com o buçal, o cavalo pediu licença e disse ao patrão:


- Eu não estou mal humorado. Só quero dizer que se colocassem um freio por baixo de sua língua, com a barbela bem apertada e mais cento e cinquenta quilos no lombo, o senhor iria corcovear na hora que alguém botasse a bunda no arreio!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

ANDARILHO


Sem sorte e sem rumo certo,
passou nas estradas e nos corredores,
fantasiando sonhos de muitos amores,
com cartas velhas, nos papéis em branco.
Mais de cem cuscos lhe fizeram guarda,
chuva, sol quente e brasinas geadas,
calaram fundo, mudando seu tranco.

Tinha um sorriso pra cada pessoa
e um buenas tarde de tremer o peito,
alguma changa, quando desse o jeito,
pra os pilas curtos render canha e fumo.
Sua pilcha, de remendos largos,
um pala branco, que já estava pardo
e um chapéu preto, que virou lobuno.

Por lobisomem, ás vezes passava,
na prosa séria da vil gurizada,
em histórias ingênuas, sendo fantasiadas,
entre suspense, segredo e mistério.
Léguas e léguas batidas de chão,
na confiança de um velho bastão,
cetro simbólico de um falso império.

Notícia vinda de outras querências,
sobre a partida daquele mulato.
Com egoísmo, ignoraram o fato,
que Deus chamara ao céu mais um filho,
dando-lhe vida através da morte,
pra que achasse enfim, o rumo e a sorte,
junto a Ele, o pobre andarilho.

domingo, 19 de maio de 2013

CAMBONA



Velha cambona de lata
tisnada pela fumaça
recostada nos tições
neste pago Riograndino
teu chiado é como um hino
ecoando nos galpões

Além do fogo-de-chão
te levo para o fogão
barreado ao modo campeiro
e espero tua fervura
pra chapoeirada que cura
ou pra um arroz carreteiro

Na minha cozinha campeira
te comparo com a chaleira
da cozinha da minha china
aqui com água do açude
na tua alça uma mão rude
lá água limpa e mão fina

Fazes parte há muitos anos
dos avios dos campechanos
em acampamentos ou galpões
por isto tu me emociona
ao te ver velha cambona
chiando entre os tições

É o sangue hereditário
do meu Rio Grande legendário
que corre dentro de mim
e no fogo do coração
te recosto num tição
até que chegue meu fim

sábado, 11 de maio de 2013

RETRATO DA VERDADE

Desenho próprio
Eu nunca vi na campanha,
nem que fosse por façanha,
quero-queros empoleirados.
Porém aqui na cidade,
no retrato da verdade,
fazem pose nos telhados.

Será que estão caducos,
desorientados ou malucos
e se extraviaram afinal?
Não, não ponham a culpa no progresso
e sim na ganância em excesso,
lá no “habitat” natural.

Os mananciais esgotados,
os campos abarrotados,
sem sobrar nenhum cantinho.
Não se anda mais ao trote
e é impossível ter filhotes,
se não tem lugar pra ninho.

Vamos lutar quero-quero,
sou consciente e não tolero,
ganância e destruição.
Como era bom lá fora,
quando a fauna e a flora,
não pensavam em extinção.

Faz com que teu grito de alerta,
tenha eco na hora certa
e não sucumba em quatro velas,
pra que em todas as coxilhas,
desta Pátria Farroupilha,
continues Sentinela!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

UMA CUIA ENTRE AS MÃOS

Desenho próprio

Tem horas que o taura se perde
na invernada do pensamento
deixando passar o tempo
ao passito sem ter pressa
e a recordar recomeça
mexer no baú da vida
e a saudade atrevida
já deixa tudo às avessas

Mas pra tudo tem remédio
entre as paredes de um galpão
uma cuia entre as mãos
sempre foi um lenitivo
de um Rio Grande primitivo
contraponteando a saudade
nas horas que ela invade
um pensamento intuitivo

Mas recordar é viver
e a noss’alma agradece
até se rejuvenesce
ao buscar reminiscências
de pagos e de querências
onde o passado viveu
e voltam ao nosso eu
sem lacunas ou reticências

sexta-feira, 3 de maio de 2013

CARREGANDO O TEMPO




Lá vem ele devagarito,
pela mesma estrada medindo os passos,
balançando o corpo e sempre solito,
carregando o tempo no seu compasso.

Já perdeu a conta de idas e voltas,
em milhões de passos no mesmo caminho,
vida sofrida porém sem revoltas,
lá vem novamente, falando baixinho.

Segurando firme o velho bastão,
lá vem rengueando o pobre ancião,
cabeça baixa sob o chapéu.

Nunca foi de caminhar ligeiro,
e talvez por isto aquele estradeiro
levará tempo até chegar no céu!

NO BRANQUEAR DA MELENA

Sob a melena tordilha,
pelechada pelo tempo,
ainda passam tropilhas,
tranqueando no pensamento.

Mate e fogo de chão,
vão curtindo seu carnal,
ontem campo, hoje galpão,
amanhã -  ponto final.

Como ele tantos outros,
corcovearam como potros,
nesta invernada terrena,

mas sem a sorte de um galpão,
de um mate ou fogo de chão,
no branquear da melena.

ALTO NOS PELEGOS

Dentre a rapaziada lá de fora, tinha um parceiro que era fora do padrão. Muito alto e magro a dar com um pau, como se diz. Era mais conhecido como “Coqueiro”, apesar de outros apelidos como, taquara, cipó, girafa...

Pois um dia, num fandango do outro lado do rio, já no município vizinho, se alinhavou com uma prenda. O Coqueiro não falava noutra coisa. O namoro era o seu xodó do momento.

Aos domingos, encilhava sua baia, que por sinal, floraça de égua, gorda, bem domada, buena de rédea e marchadeira e se bandeava para o outro lado pra amezinar os anseios do coração.

Depois que arrumou a namorada, a baia teve mais atenção. Dormia na cocheira, comia um milhozito e um verde à tardinha. Afinal a montaria era o meio de transporte do taura.

Certa feita, num sábado de baile lá do outro lado, a baia amanheceu abichornada, não levantava, se rolava, não comeu a ração. Cólica na égua, disse o velho.

O Coqueiro e o pai dele de pronto iniciaram os procedimentos campeiros pra reanimar a baia. Até uma comadre velha veio benzer o animal.

O tempo ia passando, eles lidando com a medicina campeira, mas a mostra de melhora não vinha nunca. A hora do baile chegando e o Coqueiro já apavorado deixou o velho cuidando a égua e foi pegar um tobiano feiarrão, que puxava a pipa d’água. O tobiano era pouco mais que um petiço. A diferença era mínima, mas era a única alternativa para não perder o baile.

Chegou do potreiro montado no cavalito e seus pés por pouco não arrastavam no chão, afinal, o Coqueiro era realmente alto.

O pai dele, com uma risada de toda a boca, duvidou que ele fosse ao baile no tobiano, pois seria um verdadeiro fiasco ele daquele tamanho montado arrastando os pés.

Mas paixão é paixão, e ele depois de caprichar na pilcha, encilhou, colocando sobre o arreio mais ou menos uns oito pelegos. Teve que emendar a cincha com um ajojo, porque além da pelegama, o tobiano era pançudo e daqueles que incham a pança na hora do aperto.

Pra encurtar o causo, o Coqueiro alçou a perna e saiu mandando lata. Mesmo com o andaime de pelego, ainda as botas roçavam nas macegas.

No outro dia chegou de volta em casa, contou que a uma certa distância do salão do dito baile, apeou e levou o tobiano a cabresto, já que a parceria estava reunida em frente o salão e a zombaria seria certa.

O Coqueiro “ficou feio no retrato”  mas não perdeu o baile nem a prenda.