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sábado, 31 de agosto de 2013

NA MELANCOLIA DA TARDE


Na melancolia da tarde,
no confim deste meu pampa,
o voo da garça branca,
leva alma do peão,
que mateia num ranchito,
sorvendo devagarito,
as ânsias do coração.

Um sabiá quebra o silêncio,
num melodioso trinado,
o cusco chega molhado
e se rola pelo chão,
o sol fraqueia a torreira
e a estrela boieira
acende o seu lampião.

Fim de mate enxágua a cuia,
corta lenha, enche a talha
e uma cachopa de palha,
incendeia num clarão,
acende o fogo pra xepa,
chaleira e panela preta,
se emparceiram no fogão.

A noite vem de mansinho
e a saudade pede vaza,
uma canção cria asas,
nas cordas de um violão,
amanhã vem novo dia
e aquela garça esguia,
volta com a alma do peão.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

POR ISTO TALVEZ QUE CHORO


Um par de esporas antigas,
um rebenque e um freio,
pendurados no esteio,
“recuerdos” de um velho peão.
Parece que vejo a estampa
e um nó me aperta a garganta,
quando entro no galpão.

Me ensinou cevar o mate,
me ensinou a assobiar,
me ensinou a pealar
e me sustentar nos loros.
Fazia comigo planos,
me ensinou a ser humano,
por isto talvez que choro.

É certo que algum dia,
Deus me levará daqui
e é certo que vou ouvir,
a voz daquele moreno,
dizendo: chegue pra diante!
Pra ser tudo como antes,
de quando eu era pequeno!


sábado, 24 de agosto de 2013

SEM TEMPO DE SER CRIANÇA


Meu filho “já’stá” na hora,
toma teu café e vai.
Cedito o piazito sai,
seja lá com qualquer tempo,
para ajudar no sustento,
do rancho que perdeu o pai.

É o mais velho dos guris,
da viúva Laudelina,
franzino, canela fina,
qual o cabo da enxada,
que deixa suas mãos calejadas,
do vai e vem nas capinas.

Bombacha velha e surrada,
retalhada por remendos,
remangada aparecendo,
as suas finas canelas,
uma carcaça de chinelas
e um chapéuzito cinzento.

Levando a enxada no ombro,
a exemplo de Jesus,
que carregou sua cruz,
até o Monte Calvário,
vai o piá sem salário,
que a própria sorte conduz.

Não teve culpa o guri,
de nascer em berço pobre
e por mais que a vida cobre,
não desanima o piazito,
mas quem sabe se solito,
por alguma vez não chore?

Deu buenacho de serviço,
caprichoso e de confiança,
virtudes de uma herança,
do pai que foi sempre exemplo,
para o piá que vai crescendo,
sem tempo de ser criança.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

MEU PADRINHO


Homem buenacho era ele,
o compadre do meu pai,
sério, honesto e franco.
Chapéu preto bem quebrado,
com o barbicacho debruçado,
nas franjas de um lenço branco.

Andava sempre faceiro,
nunca se viu ele triste,
“mui” brincalhão e disposto.
Pacholeava com a peonada,
risada forte e rasgada,
naquelas covas do rosto.

Eu ficava adimirado,
com aquele jeito campeiro,
que o meu padrinho tinha.
Lembro quando churrasqueava,
o seu bigode dançava,
se bordando de farinha.

Um dia acordei cedo,
sem entender o que havia,
com o pessoal num alarido.
Procuravam me esconder,
também não queriam dizer,
que ele tinha morrido.

Mais tarde então me levaram
e me lembro que eu tremia,
quando passei no galpão
e chegando lá na sala,
vi ele enrolado no pala,
até que viesse o caixão.

Me debrucei sobre a mesa
e com a cabeça no seu braço,
o choro então me venceu.
Fiquei ali bem quietinho
e senti que meu padrinho,
num abração me envolveu.

Me queria muito bem
e me dava bons conselhos,
no seu linguajar bem xucro.
Senti muito a falta dele
e se me parecer com ele,
pra mim já é um baita lucro! 


sábado, 17 de agosto de 2013

GALPONEANDO



O galpão fica apertado
com a visita da saudade
o mate fica lavado
e o fogo pela metade

A cambona  é reenchida
o pensamento troteia
a fumaça fica ardida
e o pai-de-fogo fraqueia

Os olhos se enchem d’água
mas sei que não é por mágoa
às vezes se chora rindo

Na minha idéia repasso
o que fiz e o que faço
e galponeando vou indo

terça-feira, 13 de agosto de 2013

CHIMARREANDO





Me vem na seiva do mate,
o amargo doce da vida,
matando a sede da lida,
quando a saudade me bate.

Ao pé do fogo camboneio,
meus pensamentos tropeando
e vou um a um repontando,
pra reunir num rodeio.

Cada gole é um lenitivo,
que me serve de motivo,
pra ser assim como sou

E ao secar mais uma cambona,
o pensamento gaviona
e nem sei por onde vou!


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

PELA PALAVRA




         
Já era o terceiro dia de vento norte. O azul do céu dava lugar às nuvens cinza escuro, numa promessa de muita chuva.

Quando a madrugada se aproximava, uma trovoada comprida, longínqua, botou a goela no mundo. O peão retorceu-se no catre. Um relâmpago, seguido de outra trovoada mais forte, fez com que ele fosse até a janela do rancho pra uma espiada no tempo.

O cavalo havia ficado preso no potreirinho dos fundos, visto um compromisso ainda antes do meio dia daquela manhã que a madrugada cabresteava.

Acomodou-se novamente no catre. Quando quis cochilar, o polaco abriu o peito, como um parceiro dando o alerta pra que não perdesse a hora.

Pulou, vestiu-se, atiçou o fogo, recostou a cambona nos tições para um mate e o café. Enquanto a água aprontava, trouxe o cavalo para o galpão, deu uma enxugada no lombo, debulhou meia dúzia de espigas, voltou para dar jeito no mate. 

Mais relâmpagos, mais trovoadas, até que chegou a chuva na garupa de um vento assobiador. Juntando-se ao barulho da chuva, o turruc, turruc do cavalo mastigando o milho.

O polaco continuava cantando, enquanto o peão já de café tomado, se aprontou, encilhou, vestiu o poncho, fechou o rancho, alçou a perna e saiu. O cusco, nem precisou ser chamado. Retoçou voluntariamente na frente do cavalo, como sempre fazia nos dias de tempo bom.

O vento já havia acalmado um pouco, mas a chuva era macanuda, trazendo relâmpagos que riscavam o céu, estourando um raio atrás do outro.

Poderia ter ficado pelo rancho, tenteando que a chuva amainasse? Não, o compromisso era daqueles de fio de bigode e ele tinha garantido sua palavra e não seria por motivo de tempo feio que iria deixar de cumprir.

Os relâmpagos foram dando lugar ao clarão do dia que se espremia por entre a cortina de chuva, enquanto a silhueta de um centauro e de um cusco se confundiam em meio ao aguaceiro.

domingo, 11 de agosto de 2013

PELEIA

Desenho de Felício Lampert


Foi aquele alarido
num dos cantos da venda
gritos de “me atenda”
“fica quieto”, “deixa disso”
acabem com o reboliço
isto não dá resultado
não quero ninguém cortado
nem sangue no meu bolicho

- Seu Candinho me desculpe
desaforo não aguento
ainda mais deste sarnento
pois sei que não é de nada
- te entendo camarada
respondeu o seu Candinho
vão saindo de fininho
e pelear lá na estrada

- Salta pra fora nanico
vou te mostrar o que é homem
minha adaga anda com fome
se empinando na bainha
te dou um estouno na pinha
e uns pranchaços no lombo
uma meia dúzia de tombos
pra terminar a ladainha

O nanico se aspreou
com um olhar de faísca
e deu de mão num três "listas"
meio metro fora o cabo
num rufo de touro brabo
abriu boca porta afora
e Virgem Nossa Senhora
parecia até o diabo

Tentaram agarrar o homem
se transformou num gigante
levava tudo por diante
não atendia ninguém
"a sorte quando ela vem
a tava não cai de culo
e já no primeiro pulo
mostrou que peleava bem"

O outro não era cego
dava bote que nem cobra
fazia cada manobra
com a adaga e o relho
ficando às vezes de joelho
tirando os golpes por cima
e a ponta da adaga fina
foi pintando de vermelho

Mas o três listas floreou
deixando a coisa parelha
beliscou a sobrancelha
num reborqueio danado
pois ele vinha apertado
embaixo do tempo feio
mas tava pedindo freio
qual cuiudo apoderado

Peleavam se debochando
sob o tinido do aço
se cutucando por baixo
se defendendo por cima
a roupa já bem brasina
de sangue suor e poeira
e o chapéu na moleira
já escapando da crina

Mandaram chamar os milicos
pra terminar com a peleia
o sangue bordava a areia
e não se via quase nada
quando chegou a Brigada
ainda se ouvia o tinido
pois mesmo os dois caídos
ainda peleavam na estrada

Oigalê coisa bonita
pra quem olhava de fora
pelearam por mais de hora
que nem dois galos de rinha
o sangue em golfada vinha
vertendo de cada talho
o doutor teve trabalho
porque no hospital faltou linha