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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O CULEPE DO GURI

        
O sol já havia levado a sombra do mato para o outro lado da estrada. O dia muito perto de sumir pelo horizonte e a picada ainda por passar.

Pelo pescoço do petiço o suor escorria, o mesmo acontecendo por debaixo do arreio e deslizando pelas costelas.

Havia fama de que ali  “às Ave Maria” aconteciam fatos estranhos no interior da picada. Estórias e mais estórias eram contadas, inventadas e renovadas e aumentadas.

O guri por mais que tocasse o petiço, não atravessaria a tempo claro por aquele “túnel” feito a facões e foices na necessidade de um caminho mais curto.

Ele se distraiu lá pelo bolicho onde dois tauras se desafiavam no jogo de bocha e quando alçou a perna para levar as compras pra casa se deparou com o sol já quase tocando a crista da coxilha ao longe.

Sentiu a garganta ressecar, um sufoco no peito e chamou no rebenque o petiço para tirar de suas patas o atraso da hora. O cusco corria a uns dois metros à frente e com rápidas paradinhas olhava para trás.

Após a curva da estrada, no lusco-fusco, saltou aos olhos do guri a picada com sua boca aberta e a goela comprida e escura.

Andou um pouco com os olhos fechados. Quando abriu, não viu o cusco e o petiço aguçava as orelhas.

Pensou voltar e olhando para trás avistou o cusco aguando uma macega. Assobiou pra ele chamando pelo nome.

Um pé de vento vindo por suas costas provocou estalos no mato e levou seu chapéu rolando picada adentro como se estivesse sendo puxado por alguém. Seus cabelos arrepiaram.

O guri meteu a mão no bolso segurando o canivete, quadrou um pouco o corpo no arreio, atiçou o cusco, cutucou com o garrão o petiço, fechou os olhos e num galope, sem chapéu seguiu.

Na sua imaginação, algum fantasma estaria experimentando seu chapéu e ele ia sendo engolido aos poucos pela picada, de onde talvez jamais saísse.

Por vez tirava a mão do bolso para conferir se a mala com as compras estava na garupa e mantendo os olhos cerrados, assobiava para o cusco.

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