Apesar dos
trancos que a vida lhe deu, traz um semblante tranquilo, olhar humilde e um
sorriso sincero no rosto negro que contrasta com a moldura branca da barba e
dos cabelos encarapinhados.
Quando veio
ao mundo, já nasceu livre, apesar de sua mãe ter dado à luz nos aposentos de
uma antiga senzala.
Não sabe sua
idade certa, mas isto não é culpa sua e sim de quem extraviou os papéis, como
diz.
Muitas pipas
de água, muitas lavouras carpidas, muita lenha cortada, muitas idas e vindas
pela vizinhança, muitos passeios com a sinhá e a sinházinha, quando atrelava o
tordilho gordo e marchador na aranha verde com o rodado branco. Lembra que se
entretia com as sombras das sombrinhas das duas que se projetavam no chão a
rodopiar, ao longo do trajeto.
É dono de
uma memória invejável, muita lucidez e ainda uma vitalidade física, talvez em
consequência do bom apetite que dispõe.
Tonico, como
era chamado no tempo de guri, agora transformara-se naquele ancião experiente,
simpático, querido e carinhosamente tratado por tio Nico.
Sua paixão
de adolescente ainda mora com ele, no mesmo rancho que acolheu aquele casal
cheio de amor e ali criaram e educaram meia dúzia de filhos.
Como tantos,
por este mundo de Deus, estão aposentados e moram só os dois, tendo como
companhia, um cusco que late ferozmente quando algum estranho chega, ou
amistoso abanando o rabo para os conhecidos e um galo peito duplo, que além de
anunciar a madrugada, cacareja junto às galinhas na hora que alguma põe.
Dona Dita,
sua eterna namorada, apesar de um pequeno problema no joelho, o que lhe faz portar
um bastão, cultiva uma hortinha cercada de taquaras lascadas, cerca esta feita
e frequentemente reparada pelo marido. Ali, misturam-se verduras, chás,
pimenta, arruda, enfim, um rodízio conforme a época de cada planta.
Tio Nico
também não fica pra trás, tem uma lavourinha no costado da horta que dá gosto
de ver. A enxada ainda corcoveia no vai e vem da capina, não dando alce à
sujeira, naquelas mãos que muito tiraram o sustento da terra para a família.
A energia
elétrica ainda não chegou por lá, porém um “radinho de pilha” ressonga
diariamente, principalmente à tardinha, quando gerveia com sua prenda em frente
ao rancho.