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terça-feira, 18 de outubro de 2022

PELA ESTRADA

O galope do meu mouro

ia no mesmo compasso

da milonga do assobio

e a madrugada tordilha

ansiosa esperava o sol

pra se ver livre do frio


Num tranquito pela estrada

três cuscos de batedores

e outro cusquinho lá atrás

a Dalva fraqueja o brilho

e mais um dia se achega

num horizonte de paz


Tiro o chapéu e agradeço

também peço proteção

pra mim pros cuscos e o cavalo

o vento leva minha prece

e o dia também reza

pela garganta de um galo


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

PEALANDO SAUDADE


Um piazito pachola
com estampa de campeiro
retouçava no terreiro
laço de embira na mão
montando um cabo de enxada
dava ordem pra cuscada
num rompante de patrão

Uma boina bem cravada
parecendo uma touca
um tirador de estopa
e uma espora de lata
pelego garra de velo
num dos pés meio chinelo
no outro uma "alparagata"

Num alarido corria
reboleando com destreza
com esperança e certeza
afinal era patrão
num pealo duas galinhas
mais outro o galo de rinha
e a meia espalda um leitão

Escaramuçando o "cavalo"
num socado galopito
buscou num tiro bonito
um frango "em riba" do poço
noutra volteada uma gata
juntando as quatro patas
foi apertando no pescoço

Aquele símbolo gaúcho
com um instinto campeiro
é um de tantos herdeiros
que traz isso por batismo
é como uma vacina
é uma semente que germina
perpetuando o gauchismo

Assim brincava o piazito
na sua estância fantasia
com ar de sabedoria
e entono de patrão
sem ambição e sem maldade
que hoje aqui na cidade
peala a saudade no coração

domingo, 12 de junho de 2022

O BOLICHO E A SAUDADE

Do rancho até o bolicho 

regulava légua e pico

onde eu sempre me encontrava

com os piás do  seu Chico


Depois das compras um recreio

um desafio de bodoque

um joguito de "bulita"

e nos petiços um galope


Carreira por rapadura

gasosa e até licor

e o dono do bolicho

era o fiel julgador


Sempre tinha um ganhador

carreira não empatava

pois se houvesse empate

o bolicheiro não lucrava


Uma peleia de cusco

que a gente mesmo atiçava

vinha logo a descompostura

que o bolicheiro nos dava


Um tiau e alçava a perna

uma "escramuçada" e um grito

os piás se engarupavam

e eu me ia solito


Volta e meia ainda retorno

"praquelas" bandas de lá

onde a tapera do bolicho 

guarda a saudade dos piás


sexta-feira, 20 de maio de 2022

SE DER TEMPO A GENTE LAÇA

 

Ta decidido parceiro
"bamo" fazer uso do arreio
e se "botemo" prum rodeio
pra lubrificar a goela
pra retouçar com as donzelas
e relaxar a carcaça
se der tempo a gente laça
isto só depende delas

Os pingos espumando o freio
e nós dois de cara alegre
porque a vida assim prossegue
com a graça do Nosso Deus
e tanto tu como eu
estenderemos os braços
para soltar os abraços
que a pandemia prendeu

E no final do domingo
sovado pelo farrancho
"peguemo" o rumo do rancho
se benzendo na cantina
segunda vem a rotina
da lida e compromissos
pra "botá" em dia o serviço
que o patrão determina

O fogo de chão refeito
e uns mates na madrugada
boia de sal requentada
na frigideira cascuda
"Deus ajuda quem madruga"
é um antigo ditado
e neste ritual abençoado
vida de peão nunca muda!


quarta-feira, 27 de abril de 2022

...DAS LENDAS


O vento num corrupiu,

arrendo o terreiro,

levantando folhas secas,

palhas, poeira e penas,

num verdadeiro “truvisco”,

enchendo os olhos de cisco,

da guria mais pequena.


Passou na fresta da cerca

e foi entrando na horta,

como sendo o próprio dono,

depois rumou pro arvoredo,

se esfregou no meu rancho,

e foi entrando de carancho,

quem sabe até por brinquedo.


Retoçou pela varanda,

pela cozinha e no quarto,

num esparramo total,

mesmo sem saber por quê.

Mexeu com tudo, rodopiou,

quebrando o “bibelô”,

de “riba” do “pixixê”.


Será que este fenômeno,

é força da natureza,

alma penada, saci ou boitatá,

que vagam assim sem rumo?

Ou é aquele Negrinho,

necessitando carinho,

ou um naquinho de fumo?


terça-feira, 26 de abril de 2022

RESOLVIDO





Foi na cancha do Espinilho

minha última carreira

porque a minha parilheira

vinha com luz de pescoço

e o filho do João Caroço

trapaceiro e emborrachado

abanou um lenço colorado

e a égua se abriu seu moço


O julgador outro maula

com um sorriso entre os dentes

considerou um acidente

e me brindou com a derrota

puxei do cano da bota

uma língua de chimango

e qual um touro berrando

fui resolvendo a lorota


E peleando ali solito

não me escapei de uns pontaços

nos dedos nas mãos nos braços

mesmo eu sendo ligeiro

mas no borracho trapaceiro

que era o motivo da encrenca

mandei-lhe um golpe na penca

estrebuchando o baixeiro


Cansado peguei a estrada

entre arrependido e satisfeito

mas era o meu o direito

de reclamar da trapaça

nem deixar passar de graça

aquele baita desaforo 

de um fiofó de cachorro

na conserva de cachaça


Já nas casas fiz um mate

e fiquei ali pensativo

em botar o pé no estrivo

e explorar a geografia

mudar de ares um dia

cruzar a-lo-largo a porteira

quem sabe até a fronteira

numa vereda consciente

pra se dar conta o vivente

de que a vida é passageira


A égua botei no brique

e em carreira não me meto

vou sossegar o esqueleto

no costado das percantas

quem sabe lá pelas tantas

tenha um amor verdadeiro

um ranchito hospitaleiro

junto de uma alma santa

terça-feira, 19 de abril de 2022

PORÉM CAMPEIRO

 


Existe uma cruz cravada
numa covanca de grota
aonde bateu as botas
um índio xucro e guapo
quando rodou o picaço
e o pé prendeu no estribo
passando assim o recibo
de ida do peão Nicácio

Não gostava de apelido
e quando alguém lhe chamava
já nos "talher" se coçava
promovendo um esparramo
e tal um leão africano
fazia botar respeito
resmungando a seu jeito
num gaguejar castelhano

De fato era resmunguento
queixo duro e emburrado
e além disso desconfiado
pão duro e unha de fome
um jeitão de lobisomem
quase dois metros de altura
um e noventa de cintura
e força de uns cinco homens

Melena tapando os ombros
um palmo e meio de barba
chapéu preto de aba larga
sobre o queixo palanqueado
num barbicacho sovado
na polvadeira e no suor
e um bigodão bem maior
que conta de individado

Namoro não se ajeitava
nem mesmo com prenda feia
era dura a peleia
pra que alguma se achegasse
e como se não bastasse
o tamanho do vivente
tinha falta de dois dentes
e um narigão de três faces

Porém campeiro era ele
e campeão das madrugadas
não refugava parada
nem adulava patrão
foi legenda de galpão
foi um taura destemido
vulgarmente conhecido
BICHO FEIO GRANDALHÃO









quarta-feira, 13 de abril de 2022

EU E A LUA




Quando a lua despontou
me debrucei na janela
pra um namorico com ela
mas ela pouco ligou
num relance me olhou
e numa nuvem se escondeu
mais tarde apareceu
no açude refletida
com jeito de arrependida
pra consolar o meu eu

Fui para o catre no galpão
com sensação de desprezo
e com o lampião ainda aceso
balbuciei uma oração
para que a lua então
iluminasse meu descanso
e que tivesse um sono manso
quando o lampião se apagasse
e ela com seus raios entrasse
pelas frestas do meu rancho



sábado, 19 de março de 2022

NAS ASAS DO AMOR


Espalhou-se na vizinhança,
que a moça bateu asas,
mandou-se, fugiu de casa.
A mãe chora pelos cantos,
com velas e rezas pros santos
e o pai se botou na estrada.

Ninguém suspeita de nada,
ninguém sabe ninguém viu.
Será que bandeou o rio, 
para o lado da Argentina,
para ser mais uma china
a viver no desvario?

Uma semana, um mês
e o mistério continua.
Quem carregou a chirua?
É a pergunta que não cala.
A velha quase não fala
e apenas com mate dejua.

O silêncio tomou conta,
d'um rancho sem alegria
e miles de Ave-Marias,
são rezadas com fervor,
pra que as asas do amor,
traga a moça um dia!

sábado, 19 de fevereiro de 2022

ME DESDOBRANDO NO BASTO

 

Soltou um bafo das ventas,

se embodocou e rompeu.

Rezei pedindo pra Deus

que me desse proteção,

juntei a crina na mão

e me calcei na espora

e saímos campo fora

fazendo tremer o chão.

 

Se encolhia e se espichava

e eu baixando o porrete,

e se não fosse ginete

eu não ficava em cima,

pois entendo da esgrima

e mantenho a minha estampa,

o mango guasqueia a anca

deixando toda brasina.

 

 

Gosto muito desta lida,

 levo ela no capricho.

Faz parte da minha vida,

meu ganha-pão meu ofício!

 

Um bagual já refugado

por peão de outra estância,

mas eu sempre tive ânsias

de domar um cavalo assim,

é coisa que vem em mim

desde o tempo de piazote,

enquanto não firma o trote,

a doma não chega ao fim.

 

Não judio nem machuco,

mas monto todas as semanas.

O olhar nunca me engana,

me firmo bem e me casco.

Até hoje não fez fiasco

cavalo que eu domei,

foi assim que me criei,

me desdobrando no basto.

 

Eu nunca fui exibido

nem tão pouco pacholento,

por PUJOL me apresento,

é assim que sou conhecido,

com doma é que mais lido

mas também atiro o laço

e nas rodilhas o abraço

deste peão para os amigos.

 

         (para o meu amigo Julio Pujol, domador de respeito que muito considero).

sábado, 5 de fevereiro de 2022

PRA REVIVER MEU VIVER

Então me ia pra fora

mesmo nas férias de julho

onde até hoje mergulho

na sanguinha que outrora

eu me perdia na hora

"garimpando" lambaris

era um aqui outro ali

um lá e outro acolá

por vezes até um jundiá

surpreendia este guri


Nunca esquecerei a querência

onde passei a infância

e por maior a distância

não me fugirá da consciência

aquela mais pura essência

que compõe este meu ser

e no peito vem me roer

todo tempo e toda a hora

me reportando lá pra fora

pra reviver meu viver

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

ASSIM QUE DER

Há dias venho com ânsia,

de abrir o baú do tempo,

pra reencontrar minha infância,

que está guardada lá dentro.

 

Vou revirar com cuidado,

pra que nada se estrague,

pois uma volta ao passado,

não há dinheiro que pague.

 

O tempo me anda escasso,

mas assim que der eu faço,

minha viagem ilusória.

 

Tenho certeza e garanto,

que encontrarei lá num canto,

o livro com minha história!


quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O ONTEM DA VIDA



Me veio assim de repente

um verso repontando outro

veio outro e mais outro

como elos de corrente

e lá da grota da mente

trouxeram  acolheradas

lembranças enferrujadas

do baú deste vivente


Fui falquejando na manha

cada linha do poema

dentro daquele tema

de um guri da campanha

autor de muitas façanhas

que às vezes se dava mal

com um chamusco de sal

ou pó de café com banha


As palavras são as antigas

que continuam na moda

é assim que roda e roda

a roda que é corrida

e aqueles que são da lida

se encontrarão entre as rimas

sem ambição de obras primas

vivendo o ontem da vida