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quinta-feira, 18 de abril de 2024

TRÊS DIAS E TRÊS NOITES

 


Por volta da meia tarde, a cachorrada enfureceu querendo subir numa velha árvore que tinha no terreiro, entre o galpão e a casa. A criação toda sumiu na mesma hora.

 

Armado com um facão e um machado, fui chegando cautelosamente,  com o olhar fixo para o tronco e a copa da árvore.  Nada via mas os cachorros continuavam enfurecidos. 

Fiquei de ronda por três dias e três noites sem descobrir o que era.

 

Quando amanheceu o quarto dia, mandei um guri pra avisar o compadre e pedir ajuda, porque eu estava com receio de subir na árvore sem alguém por perto.

Prontamente, o compadre atendeu o meu chamado e trouxe junto a comadre e uma espingarda de grosso calibre, de dois canos e com a cartucheira contendo vinte e oito cartuchos carregados, sendo oito com balim.


Quando chegaram, eu ainda estava  embaixo da árvore, muito cansado e quase morto de sono, na companhia dos cachorros.


Contei detalhadamente o ocorrido e quando terminei o relato, a comadre, que tinha tendências para o sobrenatural, disse que iria fazer uma benzedura. Próximo a raiz da árvore, acendeu um alto fogo e colocou panos e galhos de arruda que formaram uma grossa nuvem de fumaça tapando toda a copa.

Daí a pouco, ouvimos o zumbido de um grande enxame de abelhas que abandonou a árvore. 


Minutos depois começou pingar mel lá de cima,  o qual fui aparando em um balde.


Se eu tivesse visto antes, o que era, não teria deixado a comadre realizar o ritual porque durante o período que as abelhas lá permaneceram, tive o lucro de "sete" quilos de mel.


terça-feira, 16 de abril de 2024

VOVÓ BELA



"Larguem de ser tolos guris"

dizia a vovó pra nós

com forte exaltação na voz.

Porém depois do sermão,

nos acariciava com a mão.

Hoje lembro  a Vó Bela,

sentada na banqueta dela

socando arroz no pilão.


Um relho cabo comprido

tinha sempre bem à mão,

pra espantar a criação 

que em sua volta alardeava,

com os cachorros ralhava

quando chegava alguém,

a todos fazia o bem

e lindos causos contava!


De noite depois da janta,

sentados perto do fogo,

na hora alegre do jogo,

de baralho ou de pausinhos,

a vó com muito carinho

e moderação na fala,

dava um punhado de balas

pra os da casa e os vizinhos.


Quando chegava o sono

e a gurizada boleava,

a  vovó Bela arrumava,

pra cada um uma cama

e com postura de dama,

depois do Sinal da Cruz,

agradecia a Jesus

e do lampião soprava  a chama.


Saudade minha Vovó Bela,

é a herança que tenho.

Lembro tu como um desenho

bem bonito e colorido,

também lembro do vestido

que nos domingos usavas

e no espelho te olhavas

com o cabelo "lambido".


As travessuras do passado,

ficaram pra trás no tempo

e hoje quando me sento 

em frente ao teu retrato,

vejo um rosto sensato

me olhando com um sorriso,

com o teu cabelo liso,

vem a saudade de fato.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

ORRE DIACHO

 


Uma bordoada na melena 

com gosto força e jeito

pra que o diabo do respeito 

fosse imposto na sala

e num chuvisco de bala

botaram o maula pra fora

pois dançava de espora

sem bombacha e só de pala


Foi embretado na cerca

sem ninguém pra uma ajuda

calçado numa bicuda

grelou o "zóio" que nem sapo

mas com destreza de gato

boteou igual uma serpente

e abriu cancha novamente

correu e ganhou o mato


Enroscado nas esporas

tonteou e caiu de bruços 

e o sangue brotava em tufos

mas continuou o alvoroço 

e só terminou o retoço

e aliviaram a carga

quando chegaram os de farda

sacando os "berro grosso"


Um atirava pra cima

outro atirava pra baixo

se espalharam os machos

e debandou o mulherio

a cachorrada sumiu

o maula limpou o peito

e gritou então com respeito

vão pra........................... PQP


segunda-feira, 18 de março de 2024

EU E O CUSCO



Tropeando num solaço

minha sombra acompanhava

e nela o cusco troteava

sem precisar da espora

com toda língua pra fora

lambia a própria baba

talvez sonhando com a água 

essencial naquela hora


Senti dó do velho cusco

que ali troteava comigo 

fiel parceiro e amigo

sempre pronto e voluntário 

atento e solidário 

nunca refugou parada

não tem carteira assinada

e nem protesta por salário 


É cruza da minha cadela

com um cachorro do vizinho

e já desde filhotinho

foi se apegando comigo

nunca sofreu um castigo

nem foi preso por corrente

pois quem se apega na gente

a gente tira pra amigo


E a lida do dia a dia

que vai na minha garupa 

às vezes arma arapucas

que preciso de socorro 

então ao cusco recorro

lembrando um ditado antigo 

"Mais vale um cachorro amigo

  do que um amigo cachorro"

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PROTESTO DA CUIA

 


Me levaram do galpão 

lá pra cozinha da china

pra um mate de cola fina

de térmica em vez de chaleira

e a cambona chiadeira

se recostou num tição 

saudosa do chimarrão 

das madrugadas campeiras

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

GOLES DE SAUDADE

 

Na hora do chimarrão,

pra judiar meu coração,

veio um gole de saudade.

Devagarito desceu,

queimando até o meu eu,

sem dó e nem piedade!


Meus lábios beijaram a prata

e daquele verde de mata,

veio de novo a saudade.

Me perguntei naquela hora:

por que eu vim lá de fora,

por que eu vim pra cidade?


Cada gole de saudade,

que sorvo aqui na cidade,

queima meu peito na hora.

Mesmo assim sigo mateando

e aos pouco vou consolando,

a ânsia de ir pra fora!


Numa postura de monge,

em pensamento vou longe

quando a saudade me vem.

Na cuia entrelaço os dedos,

pois talvez venham segredos,

nos goles que ainda tem.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

QUANDO "BOMBEIO" O CAMPO

 



Patrão do Céu agradeço

por estes momentos santos 

quando "bombeio" o campo

daquele guri madrinheiro 

mais tarde taura campeiro 

fazendo sempre o melhor

e onde derramei o suor

nos mormacentos janeiros


E nas geadas macanudas

ou na carga do Minuano

este taura pampiano

fosse de noite ou de dia 

a cavalo percorria

tendo o poncho como abrigo

e hoje  aqui só revivo

tudo tudo o que eu fazia


Minha vista não é a mesma

e vê o campo embaçado 

mal e mal divulgo o gado

e as ovelhas não vejo

do açude só um lampejo

quando o sol dá um pitaco

vislumbro lá longe o mato

palco de muitos falquejos


Mesmo assim te agradeço 

Patrão Bueno das Alturas

de permitir esta criatura

campeirar pelo passado

e que os olhos embaçados  

que enfumaçam o campo

sentem comigo num banco

pra que eu sonhe acordado