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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A TAL DE SAUDADE


As galinhas num gingado

rumavam para o poleiro

as vacas vinham chegando

lá do fundo do potreiro

um guri tratava os porcos

o outro prendia os terneiros

e pelas "Ave Maria"

a tarde se despedia

no cantar do João Barreiro 


Assim terminava a tarde

assim findava o dia

a noite trazia a lua

cheia de encanto e magia

o vento quebrava o silêncio 

assobiando uma melodia 

uivava a cachorrada

e no rancho a gurizada

depois de uns causos dormia


Por volta da madrugada 

os mais velhos estavam em pé 

com uma boia de sal

reforçavam o café 

mais tarde a gurizada

com cara de jacaré 

repartiam a gamela

para tirar a remela

e os tatus do chaminé 


Lá em casa e na vizinhança 

o galo tocava o clarim

marcando a "hora da pegada"

pois tinha que ser assim

e depois no entrar do sol

a jornada tinha fim

e hoje  a tal de saudade 

quando vem para a cidade

sempre procura por mim

sábado, 23 de dezembro de 2023

RANCHO SANTO

 

Sob a proteção Divina
num rancho de santa-fé
com os filhos e a "muié"
morava o seu Antenor
conhecido benzedor
o qual além das fronteiras
suas rezas milagreiras
curavam o mal e a dor

Frente ao rústico oratório
de imagens bem povoado
ajoelhava-se concentrado
com toda sua devoção
segurava a testa com a mão
e permanecia em silêncio
velas acesas e um incenso
balbuciava a oração

Com um copo d' água e um ramo
com voz rouca e muito calma
aquela bendita alma
sem auxílio de missal
iniciava seu ritual
e o rancho de santa-fé
era um templo de fé
um reduto celestial

E naquele rancho santo
no meu tempo de guri
muitas vezes me benzi
pelas dores aturdido
e ficava encolhido
qual rodilha de cipó
no colo da minha vó
que me acariciava o ouvido

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

SOVA DE BAINHA

Desce da árvore miúdo

larga de ser teimoso 

já falei que é perigoso 

mas não houves meu conselho 

tu te ajeita fedelho

e trata de obedecer 

ou então vais aprender

na escola do meu relho


Montado em uma forcada

ele balançava as pernas

como quem já se governa

se achando o maioral

o "seu fulano de tal"

mas quando chegou o pai 

não teve de ai ai ai

e fechou o temporal


Mal botou o pé no chão 

teve um puchão na orelha

que nem ferroada de abelha 

dói como aquele doeu

até a mãe se comoveu

mas ficou firme a criatura 

e a bainha que era dura

com a sova amoleceu 


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

RIO GRANDE "GALPÃO" DO SUL


Rio Grande "Galpão" do Sul

que no cheiro da fumaça 

sinto quando tu passas

e segues batendo estrivo 

num flete raçudo e altivo

a pelear pelas coxilhas 

onde tauras Farroupilhas

morreram pra tu estar vivo


Chimarreando junto ao fogo

me vem a tua imagem

de bravura e de coragem

de raça e de amor

vejo o Pavilhão Tricolor

tremulando numa lança 

pra nos deixar como herança

a honra e o valor


E nas estradas que vou

a poeira é  tua fumaça 

que na volta me abraça 

com um aperto bem cinchado 

e com os olhos fechados 

seguro o chapéu nas mãos 

e no silêncio de uma oração 

agradeço o legado


Rio Grande "Galpão" de tauras

valentes e aguerridos

de heróis reconhecidos

pela fibra e a coragem 

e quando volto das viagens

que faço nos devaneios

dou vaza a meus anseios

pra te render homenagens 


O Patrão Maior te plantou

cravando fundo a raiz

para que no Sul do País 

os tauras tivessem abrigo

e desde o tempo antigo

"tu tranca o pé na macega"

e o gaúcho não se entrega

peleando junto contigo


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

UM NAQUINHO GAÚCHO

 

Do portão até a casa

dois carreiros de hibiscos

um  banco de cada lado

e a imagem de São Francisco 


Borboletas num bailado

muitas flores nos canteiros

e um rancho no cinamomo

pertencente ao João-Barreiro 


Na parede junto a aba

a casa de marimbondos

que quando eu enticava

levava ferrão no lombo


A verde grama aparada

um tapete natural

onde se aninha o sereno

com suas gotas de cristal


Uma centenária figueira 

espalha a sombra no chão 

lá na sanga o carneiro

bate e bate o coração 


Pequena mata nativa

lar de muitos passarinhos

que passam horas cantando

pra retribuir o carinho


É um naquinho gaúcho 

é nossa querência amada

para o descanso da família 

e a bagunça da piazada

sábado, 9 de dezembro de 2023

UM SURUNGO DE RESPEITO

Botei uma encilha a capricho

vesti uma pilcha de gala

engarupei o meu pala

e me benzi no bolicho


Segui num trote marchado

"sombrero" tapeado ao vento

e dentro dele o pensamento

nas chinas lá no povoado


O sábado prometia

que a noite ia ser baguala

daquelas de encher a sala

se misturando com o dia


Dos quatro pontos cardeais

viriam chinas as pencas

e com elas as encrencas

e algumas "coisitas" mais


Uma gaita de oito baixos

fez convite pra um legueiro

se acenderam os candieiros

e se assanharam os

machos


Na copa ninguém ficou

nem pensavam em peleias

e até para as mais feias

um "ossito" também sobrou


A voz de um missioneiro

ultrapassou a fronteira

na sala levantou poeira

e a lua clareou o terreiro


As botas batiam taco

e se arrastavam as "alpargatas"

e lindas chinas mulatas

já debaixo do sovaco


Os pares num tom brejeiro

se ajeitando aos pouco

na copa voltou o sufoco

mas se alegrou o copeiro


Servia licor pras chinas

e para os machos cachaça

pros velhos tinha bolacha

e "una sopa de gallina"


O gaiteiro não se entregou

nem o cuera do legueiro

e o cantador missioneiro

cantando se debochou


Um surungo de respeito

de se "sacar el sombrero"

e os mortos no terreiro

no outro dia deram um jeito