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sábado, 30 de maio de 2020

MUDANÇA




Dava pena ver a carreta
até as goelas carregada
se achatando pela estrada
carregando a mudança
o motivo foi lambança
mexericos de vizinhas
por incomodação de galinhas
e rusguinhas de criança

Ia tudo misturado
os trastes os piás e a china
com um pano grande por cima
porque o sol tirintava
o mais pequeno mamava
sugando bem uma teta
na lentidão a carreta
no seu rangido chorava

O pobre peão cabisbaixo
caminhava no costado
pensativo abichornado
se viu na estrada no “mas”
acenou pra o capataz
lá na cancela escorado
e o cusquinho assoleado
parou e olhou pra trás

Foi triste deixar a morada
doía o coração
naquele naco de chão
ficava parte da vida
foi dolorosa a partida
mas necessário partir
e o sem saber pra onde ir
tornava a estrada comprida

TRANÇAS DO TEMPO




Seguiu o rastro do pai
no ofício de guasqueiro
trançava todo um apero
da cabeçada ao rabicho
trançar pra ele era um vício
sabia escolher um couro
de apelido "Mão de Ouro"
pela perfeição e capricho

Seu nome poucos sabiam
mas por muitos conhecido
foi longe seu apelido
nesta Pátria Riograndina
e no Uruguai e na Argentina
suas tranças tiveram fama
e nas encilhas castelhanas
destacou-se a obra prima

Homem simples como tantos
alma humilde alma santa
uma legenda da pampa
de se tirar o chapéu
com certeza lá no céu
numa divina fazenda
um santo faça a encomenda
pra que lhe trance um sovéu

sexta-feira, 29 de maio de 2020

MINHA PRECE



Patrão bueno das alturas
escuta agora este peão
que de joelhos no chão
com muita fé agradece
falando Contigo em prece
e satisfeito da vida
por ter dois guris parceiros
uma patroa querida
e netos “flor de especial”
pra continuar nossa lida
deixando também nesta prece
as duas noras incluídas.

Pela saúde que temos
por tudo que nos concedes
sei que dás e nada pedes
deixando-nos à vontade
agradeço de verdade
Pai Eterno Criador
por perdoar nossas ofensas
e de ser nosso protetor.

Tua bondade infinita
permite nossa existência
sempre nos dando consciência
pra seguir no rumo certo
estando sempre por perto
iluminando o caminho
e peço que nos guarde um dia
aí no céu um cantinho.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

SUSTO



Num estalo foi-se a canga
bem no topo da subida
a carreta ia entupida
pura lenha de angico
o Campeão e o Cabrito
chegaram ficar de joelho
depois pegaram parelho
quando lhes prendi o grito

Calcei as rodas com um toco
e soltei a tiradeira
enrodilhei a regeira
no canzil do Campeão
o cabeçalho no chão
pra não empinar a carreta
a coisa ia ser preta
se não firmassem o garrão

Tirei os bois da carreta
e fiz o sinal da cruz
agradeci a Jesus
com o meu chapéu na mão
sempre faço uma oração
quando saio pro serviço
e com certeza foi isto
que nos deu a proteção

Quase se deu um acidente
foi só um pequeno susto
correu pra longe o meu cusco
abandonando a estrada
graças a Deus não foi nada
vou levar a carga embora
porque no inverno aqui fora
sem lenha a coisa é braba

terça-feira, 26 de maio de 2020

NO GALPÃO





Acordou mas continuou deitado, apenas esperando o cantar do galo pra pular da cama. Uma boa espreguiçada, um longo bocejo e saltou.

Enxaguou a boca, um tapa d’água no rosto, uma ajeitada na melena e se foi pro galpão. Prepara o fogo, o mate, puxa o banco e enquanto a água aquenta, fecha um palheiro. A noite foi fria. Na calma da madrugada, ainda com o clarão da lua, dava pra ver a “tordilha” que vitrificava o campo.

A água já está pronta. Em uma das mãos a cuia, a outra que se apóia no joelho, ora sai pra alçar a cambona e encher o mate, ora pra levar o palheiro a uma tragada. O galo canta de novo, trazendo o pensamento do xiru de volta. Como vamos longe nestas horas...

O clarão do fogo faz as sombras dançarem pelo chão e pelas paredes. No santa-fé da quincha, pendentes de picumã também participam da dança, esta provocada pelo ventito que vem das frestas trazendo a aragem da geada.

O mate continua, o palheiro fumega, a cambona é enchida mais uma vez. 

O calor do fogo e do mate aquece o corpo e a alma, enquanto negócios, compromissos, cambichos, parceiros que já partiram, são relembrados.

Um estalo no fogo chuvisca o galpão de faíscas. Talvez fosse um daqueles parceiros que pediu permissão ao Patrão do Céu pra dar um volteio e ao se chegar pro mate enroscou a espora no tição. Quem sabe!?

O xiru tem quase certeza de que há pouco ouviu um Ôh! de casa. Estranhou porque a cachorrada não deu sinal.
Levantou-se, fez o sinal da cruz e partiu pra lida.


quarta-feira, 20 de maio de 2020

AGUACEIRO

Foto de Eron Olivera da Silveira




Bateu água a noite inteira,
porém não foi temporal,
a várzea virou um espelho
e “remangado” até o joelho,
repontei “ozanimal”.

O aguaceiro da chuva,
escabelou o capinzal,
e branqueiam os guardanapos,
da tecelagem dos sapos,
da noite matrimonial.

Ainda uma chuvita mansa,
tamborilava o chapéu
e longe via-se um filete,
das aves que vinham pra o banquete,
se despencando do céu.

As nuvens pálidas e ralas,
já com o “ubre” vazio,
seguem destino com o vento,
que cansado tranqueia lento,
fraquejando o assobio.



SOBRE O "RINGIDO" DO BASTO

Foto de Carlos Alberto Tatsch



Como é bom encilhar o pingo
e sair sem rumo certo
sobre o "ringido" do basto
ir assobiando e sorrindo
cantando de peito aberto
marcando o pasto com o rasto

Como é bom ver o horizonte
ouvindo acordes do vento
de “riba” dos meus arreios
do quero-quero o afronte
e as rédeas do pensamento
guiando sonhos e anseios

APESAR DE ESTAR SOLITO

Foto de Carlos Alberto Tatsch
Madruguei e fui pra lida
lá na última invernada
era grande a pegada
de cerca palanque e estronca
levei até boia pronta
e o mate para a jornada

Passava do meio dia
e fui pra costa de um capão
improvisei um fogão
com as pedras do lugar
para a boia requentar
e cevar o chimarrão

Meu meio dia foi curto
porque a lida me chamava
mas a cerca se espichava
apesar de eu estar solito
pois sou taura e acredito
que o bom Deus me acompanhava

domingo, 10 de maio de 2020

FINO TRATO




Um vizinho que viera morar na redondeza, tinha umas filhas muito bonitas e dançadeiras. Quando entravam no salão, nas noites de baile, entravam sempre juntas e cada qual mais chamativa.
A rapaziada ficava de orelha em pé, na disputa pra dançar com elas, porém tinha um detalhe: elas se esquivavam quando o par não era do agrado e davam uma desculpa e entravam temporariamente para dentro do quarto das moças.
Aquilo foi se tornando comentado entre os moços e um deles, boa gente, dançador desengonçado e feio, de outra feita já havia levado um “não” de uma delas.
Certa noite, quando íamos para o baile, ele estava junto e jurou que dançaria com uma delas, custasse o que custasse. Nós aconselhamos de que não fosse arrumar encrenca, pois tanto ele como elas eram de famílias tradicionais da região. Ele só disse: 
- Deixa comigo!
Iniciou o baile sem a presença delas, porque era de costume sempre chegarem mais tarde. O feioso já tinha pago entrada e estava perto da porta do quarto das moças, como quem não queria nada.
A música animada, os pares dançando e de repente entraram as três e foram pelo costado da pista direto ao quarto onde o feioso estava de plantão.
Quando a primeira das bonitonas passou por ele, segurou no braço dela convidando pra dançar. Como sempre, ela arrumou uma desculpa de que tinham vindo de reboque e estava toda empoeirada e com cheiro de terra. O feioso arrastou ela para a pista de dança e disse:   
- VAI COM TERRA E TUDO, realizando assim sua promessa e piscando o olho quando passava por nós.



PAAARA A GAITA




Uma gaita de oito baixos
um violão e um pandeiro
um macanudo “candieiro”
na sala cinco por quatro
que emoldurava o retrato
de um surungo fronteiro

A lua espiava tudo
pelas frestas da parede
as chinas tal como redes
balançavam as tranças longas
e entre chamamés e milongas
os xirus matavam a “sede”

Madrugada um “PAAARA A GAITA”
ecoou do mestre-sala
e um trinta guspindo bala
espatifou o “candieiro”
calou-se o violão e o pandeiro
e foi um gritedo na sala

O mulherio se foi ao quarto
num desespero alucinante
clamavam a todo instante
por Jesus e Nossa Senhora
os machos romperam pra fora
levando tudo por diante

No lusco-fusco da lua
o rolo não dava trégua
e o arsenal da macega
ia suprindo a indiada
que gritava em patacoada
- quem é macho não se entrega -

Já não se ouvia mais tiro
só tinido de “daga” e facão
reboliço e confusão
lá pelo meio do campo
e alguns tronchos e outros mancos
se “reborqueavam” no chão

A lua foi se escondendo
espiando o entrevero
se desgarraram os parceiros
e se espalharam as chinas
porque peleia é a sina
destes surungos fronteiros

UM BAILE LÁ FORA




Cavalo, carroça, carreta,
trator, jipe, caminhão
bem na frente do salão
amontoavam-se na estrada
vinha gente da Picada
do Rincão Capão Bonito
lá da Vila do Mosquito
e do Passo da Cavalhada

Às oito horas da noite
tinha início a dança
no Salão Nova Esperança
de um tal Chico Machado
o gaiteiro bem pilchado
estreava uma gaita nova
prêmio que ganhou na trova
que disputou no estado

Seu Chico gente buena
é quem cobrava a entrada
controlava a rapaziada
junto com o mano Batista
sua filha uma artista
trança negra e amorenada
dessas que não perde nada
pras de capa de revista

Na copa um gordo careca
com um guardanapo no braço
tamborilava o compasso
com os dedos no balcão
ocupando a outra mão
para um aceno amistoso
enquanto um chamamé choroso
ecoava pelo salão

Prenda linda não faltava
cada qual mais dançadeira
tinha velha alcoviteira
e também um mestre-sala
antes fazia uma fala
deixando recomendando
pros moços serem comportados
se não sairiam da sala

Um punhado de aladins
clareavam que nem o dia
um mulato atendia
nas mesas pelos costados
usava um lenço encarnado
e sempre pronto a qualquer hora
com as canjicas de fora
dava conta do recado
  
De vez em quando as vassouras
chegavam para o salão
e dançavam pelo chão
espalhando parafina
a sola ficava fina
a bota passeava mansa
e a morenaça de trança
mirava de relancina

Vinha a hora do café
da meia noite pra o dia
quem arrumava guria
ia fazer um agrado
a velha ia do lado
acanhada mas faceira
servindo-se de primeira
a convite do namorado

A noite ficava curta
nem se via passar o tempo
tudo saía a contento
todos caiam na dança
e por lá nas minhas andanças
tive muito namorico
com a filha do seu Chico
no Salão Nova Esperança