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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

TEMPLO CAMPEIRO



Ao entrar em ti galpão
que sobrevive no tempo
foi como entrar num templo
com picumã e fumaça
onde o atavismo da raça
sustenta-se nos esteios
trazendo velhos anseios
para o gaúcho que passa

Teu piso de chão batido
rasqueteado de vassoura
chamuscado da salmoura
e cinza como tempero
cama do laço campeiro
lugar de paz e sossego
onde se estende um pelego
sobre a carona e o baixeiro

O pai-de-fogo de angico
mantendo o fogo-de-chão
é o próprio coração
a crepitar sobranceiro
benevolente e hospitaleiro
sem distinguir procedência
cor de lenço ou preferência
a acolher o campeiro


Teus esteios tem o cerne
igual ao do pai-de-fogo
que descartam o malogro
e te sustentam seguros
velho galpão pelo duro
de mate prosa e encilha
onde a Chama Farroupilha
fumaceia pra o futuro

Foi num passado distante 

que um ancestral acendeu 

e o fogo jamais morreu 

queimando no mesmo chão 

uma legenda de galpão 

a fumacear sem descanso 

ora bravo ora manso 

secular fogo-de-chão



Trazes na tua fumaça
o velho incenso campeiro
a exalar de um braseiro
como o sangue escarlate
derramado nos combates
quando o gaúcho peleou
e depois pra ti voltou
pras calmas rodas de mate

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

REBENQUEANDO A SORTE


Foi rebenqueando a sorte
que viveu o velho Tenório
era um mulato simplório
de fibra e caráter forte
peleava até com a morte
pra defender seus direitos
tinha lá os seus defeitos
que carregava consigo
mas pra servir um amigo
também tinha lá seu jeito

Homem calmo e pouca fala
de confiança e de palavra
tinha descendência escrava
remanescente das senzalas
um grande saber na mala
modesto e respeitador
nas lidas um professor
seriedade e fino trato
mas mesmo assim o mulato
foi deserdado do amor

Um taura das madrugadas
e das noites de serões
no aconchego dos galpões
ou nos tapetes de geada
um centauro nas estradas
na condução de uma tropa
tinha por quincha a copa
de um chapelão bem bagual
e um poncho marca Ideal
de deixar o frio na toca

A muitos patrões serviu
com presteza e honestidade
mesmo com o avanço da idade
os tropeços resistiu
foi como água de um rio
fertilizando a terra
foi combatente em guerras
foi um herói sem medalha
silenciando qual metralha
conforme a luta se encerra

Hoje o mulato descansa
talvez sendo o peão caseiro
num cemitério campeiro
lá no fundão da estância
como alguém sem importância
sem norte e sem razão
sem uma cruz com a inscrição
pelo menos com as iniciais
sendo um torrão a mais
a confundir-se com o chão

terça-feira, 20 de agosto de 2019

C R A M E N T O

Com este poema, homenageio todos os amigos de origem italiana, pelos quais tenho muito carinho.


Desenho feito no Paint do Windows



Tió, vá que:
- falte o salame
a vaca non dê leite
dê pouco radiche
rance o azeite
o porco non dê banha
a véchia non me aceite

Tió, vá que:
- seque todas pipa
azede a sardinha
falte a polenta
mofe a farrinha
tenha pouco ovo
pesteie a galinha

Tió, vá que:
- os filhos cresçam
e tomem as rédia
a conta no boliço
passe da média
má se pega fogo no lambique?
- Cramento que baita trazédia!

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

ETERNO SONHO



Foto própria

Trabalhava na estância
a filha de um posteiro
moça de poucos janeiros
e com jeito de criança
no cabelo duas tranças
como noite sem luar
tinha um balanço no andar
e nos seus passos maciez
a cor do bronze na tez
e duas estrelas no olhar

De beleza sem igual
sem precisar de pinturas
como um ser das alturas
com um dote angelical
e um jeito divinal
parecendo uma fada
que pra ela não foi nada
em se tratando de amor
comparando-se a uma flor
que não foi desabrochada

Pela escolha proibida
guardou a sua paixão
e só a voz do coração
por ela era ouvida
deixando viva a ferida
sem o amor pra curar
e seu eterno sonhar
de ter um rancho e filhos
apagou aquele brilho
de estrelas no olhar

sábado, 10 de agosto de 2019

MOSTRANDO AS UNHAS


O amigo é aquele,
que na hora mais precisa,
veste a mesma camisa
que tem o seu companheiro.
Só chamar de parceiro
quando tudo está na boa,
é pior que uma leitoa
que come pinto no terreiro.

Quem é falso se declara,
assim sem fazer alarde
e mais cedo ou mais tarde,
bota as unhas pra fora
e o outro ele explora,
achando que é sabido,
porém no fundo é mordido
pela sua própria espora.

Se tiras teu corpo fora
pra não defender o amigo,
ninguém ficará contigo,
pois nenhum vai te querer
e esse teu falso ser,
que te ilude e te fascina,
irá junto na latrina
quando aquilo descer.

sábado, 3 de agosto de 2019

BOM NA TROVA DANÇADOR E FEIO


Cabresteando a meu jeito
me achego pro parapeito
pra uma encilha no gateado
folga do fim de semana
tirar um pouco da escama
e retouçar no povoado

Bisbilhoteio a guaiaca
passo em revista as patacas
glostora e água de cheiro
pilcha nova bem pintoso
boto no pingo um toso
não sei qual o mais faceiro

Traquejo na aparência
vou prestar minha continência
lá no balcão do bolicho
boleio a perna faceiro
saudando o bolicheiro
com um verso no capricho

O violão levo comigo
pra acompanhar os amigos
num entrevero de trova
depois na hora da dança
até minh'alma balança
e o esqueleto se sova

Em meio a poeira e a fumaça
até nem sei se o tempo passa
a lida deixo de lado
e se levo algum carão
não arrumo confusão
sei que sou mal desenhado

Sigo firme no embalo
aproveito e tiro o talo
dos dias que estou solito
se a prenda me dá confiança
peço de novo outra dança
e se facilitar repito

São poucas horas no povo
mês que vem to aqui de novo
pra mais um saracoteio
pois pra um peão que é bom de dança
sempre sobra alguma trança
embora que seja feio

Parece que a noite encolhe
e entre uma dança e um gole
desponta a madrugada
um fim de baile se anuncia
e na garupa do dia
sigo meu rumo na estrada


quinta-feira, 1 de agosto de 2019

CARRETEANDO


Minha carreta está acima de setenta!
      - Mas como, se o passo dos bois, puxando uma carreta, não ultrapassa esta velocidade?
      É que ela está acima de “setenta anos” na estrada da vida. Os bois, não são mais os mesmos de quando nasci, não são os mesmos de quando eu estudava, não são os mesmos de quando eu trabalhava... São bois lerdos e gordos, mas continuam levando a carreta em frente, agora, com menos carga e mais experiência.
      Nestes anos, vem deixando um rastro claro, limpo e fácil de seguir. Nunca esteve atolada, pois, o carreteiro sabe escolher a estrada. Alguma derrapada, algum arranhão, alguma manutenção foram feitas e serão necessárias para que consiga chegar ao fim da jornada, designada pelo Patrão Maior, junto à família e amigos.