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quarta-feira, 27 de abril de 2022

...DAS LENDAS


O vento num corrupiu,

arrendo o terreiro,

levantando folhas secas,

palhas, poeira e penas,

num verdadeiro “truvisco”,

enchendo os olhos de cisco,

da guria mais pequena.


Passou na fresta da cerca

e foi entrando na horta,

como sendo o próprio dono,

depois rumou pro arvoredo,

se esfregou no meu rancho,

e foi entrando de carancho,

quem sabe até por brinquedo.


Retoçou pela varanda,

pela cozinha e no quarto,

num esparramo total,

mesmo sem saber por quê.

Mexeu com tudo, rodopiou,

quebrando o “bibelô”,

de “riba” do “pixixê”.


Será que este fenômeno,

é força da natureza,

alma penada, saci ou boitatá,

que vagam assim sem rumo?

Ou é aquele Negrinho,

necessitando carinho,

ou um naquinho de fumo?


terça-feira, 26 de abril de 2022

RESOLVIDO





Foi na cancha do Espinilho

minha última carreira

porque a minha parilheira

vinha com luz de pescoço

e o filho do João Caroço

trapaceiro e emborrachado

abanou um lenço colorado

e a égua se abriu seu moço


O julgador outro maula

com um sorriso entre os dentes

considerou um acidente

e me brindou com a derrota

puxei do cano da bota

uma língua de chimango

e qual um touro berrando

fui resolvendo a lorota


E peleando ali solito

não me escapei de uns pontaços

nos dedos nas mãos nos braços

mesmo eu sendo ligeiro

mas no borracho trapaceiro

que era o motivo da encrenca

mandei-lhe um golpe na penca

estrebuchando o baixeiro


Cansado peguei a estrada

entre arrependido e satisfeito

mas era o meu o direito

de reclamar da trapaça

nem deixar passar de graça

aquele baita desaforo 

de um fiofó de cachorro

na conserva de cachaça


Já nas casas fiz um mate

e fiquei ali pensativo

em botar o pé no estrivo

e explorar a geografia

mudar de ares um dia

cruzar a-lo-largo a porteira

quem sabe até a fronteira

numa vereda consciente

pra se dar conta o vivente

de que a vida é passageira


A égua botei no brique

e em carreira não me meto

vou sossegar o esqueleto

no costado das percantas

quem sabe lá pelas tantas

tenha um amor verdadeiro

um ranchito hospitaleiro

junto de uma alma santa

terça-feira, 19 de abril de 2022

PORÉM CAMPEIRO

 


Existe uma cruz cravada
numa covanca de grota
aonde bateu as botas
um índio xucro e guapo
quando rodou o picaço
e o pé prendeu no estribo
passando assim o recibo
de ida do peão Nicácio

Não gostava de apelido
e quando alguém lhe chamava
já nos "talher" se coçava
promovendo um esparramo
e tal um leão africano
fazia botar respeito
resmungando a seu jeito
num gaguejar castelhano

De fato era resmunguento
queixo duro e emburrado
e além disso desconfiado
pão duro e unha de fome
um jeitão de lobisomem
quase dois metros de altura
um e noventa de cintura
e força de uns cinco homens

Melena tapando os ombros
um palmo e meio de barba
chapéu preto de aba larga
sobre o queixo palanqueado
num barbicacho sovado
na polvadeira e no suor
e um bigodão bem maior
que conta de individado

Namoro não se ajeitava
nem mesmo com prenda feia
era dura a peleia
pra que alguma se achegasse
e como se não bastasse
o tamanho do vivente
tinha falta de dois dentes
e um narigão de três faces

Porém campeiro era ele
e campeão das madrugadas
não refugava parada
nem adulava patrão
foi legenda de galpão
foi um taura destemido
vulgarmente conhecido
BICHO FEIO GRANDALHÃO









quarta-feira, 13 de abril de 2022

EU E A LUA




Quando a lua despontou
me debrucei na janela
pra um namorico com ela
mas ela pouco ligou
num relance me olhou
e numa nuvem se escondeu
mais tarde apareceu
no açude refletida
com jeito de arrependida
pra consolar o meu eu

Fui para o catre no galpão
com sensação de desprezo
e com o lampião ainda aceso
balbuciei uma oração
para que a lua então
iluminasse meu descanso
e que tivesse um sono manso
quando o lampião se apagasse
e ela com seus raios entrasse
pelas frestas do meu rancho