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segunda-feira, 8 de outubro de 2018

LUA E SAUDADE

Foto de Giancarlo M. de Moraes

A boca da noite mal tinha engolido o dia quando a lua cheia  e vaidosa veio cedo prateando as casas.

O silêncio também chegou logo depois do trato da bicharada. O vento não arriscou nem um sibilo, deixando que a prenda do céu deslumbrasse a paisagem.

Ainda não tinha chegado bem o frio mas uma aragem fazia as portas e janelas se manterem fechadas. No galpão, a cama do fogo-de-chão estava ainda com resquícios do último inverno.

Era a última fase da lua cheia antes das férias do meio do ano. Breve a gurizada estaria solta num grande alarido, fazendo com que quando a próxima lua cheia aparecesse, o silêncio sumiria.

Mesmo que as noites de lua clara fossem frias, as brincadeiras ao lado de fora das casas se prolongavam, muitas vezes, até com a participação dos adultos que se entreveravam, proporcionando risos causados pelos tombos malabarísticos daqueles mais velhos e gorduchos.

Assim iam se passando os dias que hoje nos trazem saudade, toda vez que a lua cheia desponta com a boca da noite.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

CHASQUE PRA JESUS





Patrãozito da Grande Invernada Celestial, aproveitando que atendes a todos que te procuram, me apresento diante de Ti,  com a mala de garupa cheia de humildade e esperança, pedir que na hora do mate aí com o Patrão Maior, diga que a peonada aqui da Terra anda meio caborteira, com a ideia retorcida, pendendo para um caminho avesso do qual Ele nos apontou como certo.

Diga também Patrãozito que Ele faça com que esses maulas se deem conta de que Sua palavra é a única e verdadeira e que se bem pregada e acolhida, só benefícios trará e a bondade e o amor são as armas que deverão fazer uso para que nossa Estância Terrena não seja invadida pela maldade, pela ganância e pelo ódio, para que nossos piazitos possam desfrutar desta magnífica Querência.

GRACIAS!

domingo, 19 de agosto de 2018

PRA MINHA PRENDA

     

Com esses olhos graúdos,

Atiraste uma armada,

Laçando a meia espalda,

Meu coração de solteiro!

Já se vão muitos janeiros

Que este laço me segura,

Com amor, carinho e ternura,

Minha Prenda de Formigueiro!

domingo, 12 de agosto de 2018

NO RUFO DAS PATAS

Foto de Giancarlo M. de Moraes

O trote marchado de um gateado oveiro
vencia a estrada já bem conhecida
a alma apressada chegava primeiro
mas não se apressava quando da partida

Lá no horizonte da tarde fria
o sol afagava vagas nuvens ralas
e os sonhos e anseios que o taura trazia
pateavam no peito abrigados no pala

A silhueta do rancho distante surgiu
o taura firmando um galope seguiu
no rufo das patas marcando a cadência

Na boca da noite aquele “oh! de casa”
e a saudade no peito apagando as brasas
com o abraço cinchado da velha querência

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

NO BALANÇO DAS CHINELAS



Já bem na boca da noite,
floreou um tico-tico
e no galpão o Tio Nico,
falou no seu jeito lento:
- Fechem tudo lá pra dentro,
que este canto fora de hora,
é sinal que sem demora,
vai vir um tufão de vento.

A gurizada se olhou,
mostrando certo espanto
e sobre o pelego num banco,
embodocou-se o gato,
parecendo que de fato,
teve o pressentimento,
quando o ronco do vento,
boleou a perna no mato.


Tio Nico coçou a barba,
parecendo-se alheio,
assobiou num floreio
e foi espiar na janela,
depois trancou a tramela,
deu uma atiçada no fogo,
sentou-se quieto de novo,
a balançar a chinela.

Quando ouço fora de hora,
o canto do tico-tico,
imaginando eu fico,
que ele do seu abrigo,
está proseando comigo,
pra que eu tenha tenência
e acreditar na vivência
e no saber dos mais antigos.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

...DO NATAL

Lá de fora o Papai Noel se esquecia
e não ficávamos descontentes,
com um caco ou outro a gente fazia,
nossos brinquedos, nossos presentes.

Uma latinha, uma tábua um carretel,
em potentes carros se transformavam,
enquanto nós os “Papai Noel”,
a nós mesmos nos presenteávamos.

Vida simples de uma pura infância,
sem preconceito, mágoas ou ganância,
passou deixando apenas a saudade.

Embora o Papai Noel lá não fosse,
mesmo uma casca de ovo cheia de doce,
fazia nossa felicidade!

domingo, 24 de setembro de 2017

GAÚCHO ATÉ NO CÉU




Levo bem longe,
a cultura do Rio Grande,
mesmo que ande, a cavalo ou a pé
e tenho orgulho, de ser cria desta pampa,
a minha estampa, lembra a raça de Sepé.

Levo comigo,
as tradições de um povo,
sou sangue novo sem renegar o passado,
andar cantando e usar pilcha me faz bem
e ter alguém, pra um carinho mais chegado.

O meu pala,
tem as cores da bandeira,
e a poeira, desta terra colorada,
uso espora, tal qual um galo de rinha,
e sobre a pinha, uma boina atravessada.

Não tenho ciúmes,
mas frescura não tolero,
sou bem sincero, quando uma prenda me quer,
não sou de briga, vivo alegre e satisfeito,
mas por respeito, na cintura “meus talher”.

Se algum dia,
por força do meu destino,
teatino, ter que vagar por outros rumos,
darei a alma, pra voltar ao velho ninho,
porque sozinho, não fico nem me acostumo.

Quero deixar,
uma herança pra piazada,
que foi herdada, por meu pai e me passou,
de ser gaúcho e defender com unha e dente,
toda esta gente e a terra que me gerou.

Patrão do Céu,
na hora que me chamar,
deixa eu ficar, aí nessa santa paz,
sem tirar, de São Pedro a autoridade,
na Estância da Eternidade, de segundo capataz.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

... DOS MOMENTOS

Foto de Giancarlo M. de Moraes
Uma garoa guasqueada
me chamuscava a garupa
e o vento dando rajadas
mandava o chapéu pra nuca

Antes que a noite chegasse
tinha que bandear o rio
e se acaso não bandeasse
talvez morresse de frio

Convidei meu pingo baio
que num “truvisco” de raio
mostrou raça ali na hora

Tudo na vida se ajeita
é só seguir a receita
num cutucão de esporas


terça-feira, 20 de junho de 2017

ATÉ AMANHÃ!

Foto de Janaína Real de Moraes
Solto a zaina no pasto
findando mais uma jornada
e minhas mãos calejadas
do trabalho e da rotina
que é parte do meu “combate”
se enconcharão para um mate
e acarinhar minha china

No último degrau da escada
o sol desce com sua luz
faço o Sinal da Cruz
na hora da Ave Maria
agradecendo a saúde
pedindo a Deus que me ajude
e me despeço do dia

sábado, 17 de junho de 2017

POR QUE EU?

Foto de Giancarlo M. de Moraes
Quando cheguei no bolicho
tava começando a riosca
a canha fazia “cósca”
instigando um índio maula
outro que não era flor de cheiro
contido pelo bolicheiro
parecia um leão na jaula

Botei só um pé pra dentro
observando o alarido
atento e prevenido
dei um “buenas” sem resposta
quando um estouro de facão
deu início a confusão
do jeito que o diabo gosta

Liberei de pronto a porta
quadrando o corpo no “mas”
dei um passito pra trás
deixei livre sem embargo
um rufo passou por mim
qual cachorro e graxaim
num já te pego já te largo

Tinia o ferro branco
com estouros e pontaços
gambetas de pernas e braços
num bailado de dar medo
dois viventes que enxergavam
e que por certo guardavam
algum golpe de segredo

Dito e feito sem demora
mudou a cor do combate
um filete escarlate
verteu de uma sobrancelha
e como um rude argumento
um contragolpe violento
decepou uma orelha

Duma sombra eu apreciava
aquele duelo de machos
suava até o barbicacho
me ressecava a goela
mas ali eu era estranho
não pertencia ao rebanho
e preferi ter cautela

Num impulso fui apartar
mas recuei por precaução
num entrevero de facão
sempre sobra algum talho
já  que ninguém se meteu
então pensei – porque eu
vou querer virar retalho?