Há muitos anos estou aqui, mais de um
século, no mesmo lugar. Enquanto muitos foram e voltaram, outros foram e não
voltaram e outros nem foram, eu permaneço aqui.
Ouvi os gemidos da tua bisavó parindo
teu avô, o choro e a reza das mulheres por causa das peleias com os
castelhanos. Ouvi também os gemidos da tua avó “ganhando” teu pai; os da tua
mãe, quando nasceste; da tua esposa, quando teu filho veio ao mundo e da tua
nora dando a luz ao teu neto.
Sou do tempo que as honrarias eram
conquistadas debaixo da fumaça, do tempo que pra tudo se tinha tempo.
Enfrentei tardes quentes, mormacentas...
Madrugadas frias, de geadas macanudas, ventos, chuvas de pedra, raios e até o
fogo já me chamuscou.
Vi pessoas, animais e árvores nascer e
morrer. Conheci a fauna e a flora que não te alcançou. A culpa não foi minha.
Sei que estou velho. Um dia também serei
recordado somente através dos retratos.
Porém meu filho, tu tiveste a sensibilidade
de me causar uma grande alegria.
Obrigado por teres mandado reformar este velho casarão. As fotos de
agora ficarão mais bonitas, porque até o ano em que nasci mandaste pintar na
minha testa!