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domingo, 1 de dezembro de 2013

AMOR À MODA ANTIGA





A madrugada preguiçosa de um domingo de primavera despertou com o clarim de um galo, cujo dormitório ficava no condomínio dos galhos secos de uma velha laranjeira, bem no oitão da cozinha do rancho do Belarmino. Ele nunca perdera para o cantor emplumado, mas naquela madrugada, pela primeira vez foi surpreendido, talvez por motivo do bailezito regado a licores, na festa das bodas de ouro de um compadre. Isso o fez ir para a cama pouco antes da hora de levantar.

Abriu os olhos de vagarinho, ainda pesados de sono e uma bruta dor de cabeça. Virou para o lado onde a patroa dormia pesadamente e com um pouco de remorso, cutucou-a com cuidado. Ela sobressaltada falou meio assustada:

- O que foi Mino?

- Não te apoquenta muié, vai fazê um chá de carqueja que minha cuca vai istorá de tanta dor e zuêra...

- Quem te mandou exagerar na dose? Vai tu na cozinha, eu vou é virar pro canto e dormir de novo. Seu provalecido...

E lá vai o Belarmino arrastando o chinelo e resmungando:

- Bem dizem por aí que as muié não são mais as mesma de antigamente. Barbaridade, aonde os home vão pará desse jeito? Ai minha cabeça!

Lá da cama, Zilá retrucou:

- Eu sei onde os homens vão parar. Vão parar num canto de galpão, cobertos de picumã, com o bigode amarelo do pito, com tosse e cada vez mais "ranzina".

- Vai te afumentá sua véia caduca. Por acaso tu também não tem tuas manha? Eu sei bem. Não é de hoje que te conheço, aguentando tuas denguice, menospausas e inchacuêcas. Até já perdi a conta de quantas noite tive que levantá pra te fazê chá de marcela com maçanilha. Sem contá quando te atacava do “figo” e eu tinha que ficá sigurando o pinico enquanto tu botava o dedo na guela pra mode vumitá. Agora que tocou pra mim tu tá com nhem nhem nhem.

- Me deixa dormir e vai tirar leite que não aguento mais esse terneiro berrando, debochou a velha.

Belarmino foi até a cozinha e começou a procurar as coisas e a praguejar:

- Onde será que essa muié iscondeu os fofre? Como vou acendê o fogo sem achá eles? – Ah, táqui, caído atráis do fogão! Eta muié distraída a Zilá...

E agora, onde estaria a bendita carqueja? Procurou nas gavetas do armário, na prateleirinha acima do fogão, por aqui, ali, acolá e nada! Como a maioria dos homens, ele nunca achava nada, mesmo estando no mesmo lugar onde sempre esteve...

- Aonde a Zilá botou a carqueja seca de fazê chá? Será que ela não podia adivinhá que eu ia bebê uns trago a mais? Bota burrice, nisso! Vou te que chamá a danada! Mas quem manda ela iscondê os trecos de mim? E começou a berrar o nome da mulher, a sapatear e fungar num acesso de brabeza.

Zilá acordou sobressaltada pela segunda vez naquela manhã e também deu um berro:

- O que foi agora homem? Morreu alguém? Ta pegando fogo na casa? Meu Deus!

Levantou rápido e não achando o chinelo a jeito, saiu de pés descalços, meio trambalhando e tropeçando nas portas:

- Mas o que foi criatura? Que bicho te mordeu? Quer me matar de susto?

- Eu é que te pergunto: - Onde tá a carqueja seca, pra fazê chá que tu iscondeu de mim? Decerto é pra me castigá porque tu imaginou que eu ia bebê uns gole a mais... Sua bruaca, vingativa, sua...sua...

- Pode parar seu bruto, bebarrão, caduco...Tu olhou dentro daquele pote de barro verde, encima da prateleirinha, acima do fogão, onde a carqueja pra chá, fica guardada  desde o nosso casamento?...

- Ai! Minha cabeça vai istorá os miólo, resmungou o velho.

Zilá deu um chega pra lá com a anca no Mino que ainda estava um pouco sob o efeito do licor. Pegou a carqueja e quase esfregou no bigode dele. Foi para o lado do bacieiro com um caneco de água, despejou na bacia, lavou o rosto, molhou o cabelo, gargarejou um pouco de água e iniciou a retocar o penteado que havia sido feito no capricho para as bodas dos compadres.

Emburrado, ele foi para o galpão, dizendo que o chá na cambona ficava mais forte e fazia efeito mais ligeiro.

- Vai pra lá com isso, disse ela, o efeito eu sei bem do que é. Tu parece que tem bucho de corvo e guela de socó. Agora tá aí, querendo mimo. Toma logo a chapuerada e não esquece que ainda tem que tirar leite, tu sabe que não tomo café preto.

Depois de toda essa cena, Belarmino foi pro galpão e ainda resmungando, finalmente acendeu o fogo de chão e conseguiu fazer o chá milagroso. Sentou num cepo e tomando os goles, começou a falar com seus botões:

- Pensando bem, a Zilá é uma boa muié! É trabaiadera, inconômica e quando ta carminha até me chama de mimoso... Acho que vou vortá pra cozinha e fazê as paiz com ela, sinão vai me tocá fazê boia e tudo mais. Bem que eu quiria deitá e tirá um bom sono mais tarde pra matá de veiz a ressaca.

E...ao chegar de volta à casa, já na porta começou colocar o seu plano em prática:

- Véinha, vortou pra cama? Sabe que a porca ta mais gorda? Vai dá um bom assado quando os guris chegarem.  – Agora vô tirá um leitinho, espumado, bem morninho pra minha chinoca tomá o cafezinho bem gostoso. Ta bom, véinha?

Zilá ouviu tudinho lá do quarto, enquanto o “toc, toc” dos tamancos do Mino denunciava seu deslocamento para a mangueira.

Mais ou menos vinte minutos, voltou com o leite e ao se aproximar da cozinha, sentiu o cheiro gostoso do café que estava sendo passado. A mesa já estava arrumada e enquanto o leite fervia, Belarmino lavou as mãos na mesma água da bacia em que a Zilá havia usado, passou no cabelo, depois as enxugou na perna da bombacha, com a reprovação dela, o que não retrucou, apenas fez um carinho.

Sentaram-se à mesa, onde trocaram olhares como nos velhos tempos em que ele frequentava a casa da noiva.

(Escrito em parceria com minha prenda Marilene M. de Moraes)

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