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sábado, 30 de agosto de 2014

ENCHENDO OS OLHOS DE LUA

A semana era a última de inverno e a lua no fim da crescente, preparava-se para entrar cheia na primavera. E enfim entrou.

O céu para homenageá-la, combinou com o vento da tarde que repontasse as nuvens e trouxesse tantas quantas estrelas ele pudesse.

O sol também naquele final de dia acelerou o tranco, mas mesmo assim ainda pode ver no horizonte oposto o esplendor da lua cheia que lambia o campo, as árvores, a quincha dos ranchos que iam projetando suas sombras na primeira noite da nova estação.

Nas ruínas da tapera, uma coruja mandou sua mensagem que talvez também fazia parte da combinação do céu com o vento.

Mais tarde um urutau cantou no mato deixando o piá com medo. Um ouriço serviu-se de um galho da guajuvira, como ponte, para vir aninhar-se na forcada de um pessegueiro bem perto do forno. Foi sentido pelo cusco que fez um alarido alucinante, deixando o piá ainda mais encolhido no colo da vó.

Sua mãe estava na cozinha e com a janta quase pronta. O mano havia ido pescar com o pai que segundo sua “filosofia” campeira, a primeira noite de lua cheia era boa de peixe.

Ralhar com o cusco pouco adiantou, pois estava encafifado em pegar o ouriço e tentava subir no pessegueiro, chegando às vezes até mesmo morder o tronco. Os cuscos da vizinhança também se manifestavam lá de suas casas.

Uma aragenzinha mais fria fez com que a vó puxasse a barra do vestido para cima e enrolou nos pés do piá que aproveitou o dengo e queria o bico. A mãe contestou porque não era para dormir antes de comer.

Para que ficasse acordado, a vó lhe mostrava a lua e dizia que as manchas era o São Jorge montado em seu cavalo e cravando a lança no dragão.

As horas foram passando e as sombras vagarosamente mudavam sua posição. As corujas silenciaram, o cusco aquietou-se com a partida do ouriço, o piá jantou, chupou o bico e dormiu já no colo da mãe. A vó cochilava numa cadeira baixa forrada com um pelego.

Lá no açude, o pai e o mano enchiam os olhos da prata refletida na água onde boiadeiras balançavam com a rabanada dos peixes.

Quando uma estrela cadente riscou o céu, o pai disse que ela estava apontando o caminho da casa e determinando a hora de “encolher” as linhas.

O mano, louco de faceiro, pendurou no ombro a “enfiada” com as traíras que branqueavam a barriga num banho de lua.

sábado, 23 de agosto de 2014

À SOMBRA DE UM UMBU




O mesmo cenário.
No banco sob o umbu que sombreava todo o lado leste do bolicho, aquele velho frequentador aposentado, desde antes do meio dia somava tragos de cana pura

Seu cusco como sempre, ficava deitado próximo ao cavalo palanqueado, cujo beiço inconsciente tremia pelo impulso de um cochilo. O cusco também ressonava e alternava as espiadas para o cavalo e o dono. Por vezes levantava a cabeça e aguçava as orelhas quando ouvia um barulho de pratos ou quando os cuscos da casa farejavam à sua volta.

Os outros fregueses, já acostumados com a cena, chegavam e saiam sem dar muita atenção à figura pitoresca, apenas zombavam que o pudim estava pronto.

Com suas pilchas em remendos estirava-se contra a parede a falar como se alguém lhe fizesse companhia. O matungo com as garras sobre o lombo exibia as costelas tais teclados de gaitas pianadas, assim como as do cusco.

Mesmo sem ser cumprimentado, ele dirigia um “buenas” ou um “te logo” para quem chegasse ou saísse.

Seus lábios já demonstravam um certo cozimento pelo álcool e as bochechas com barba rala, pareciam tomates e os olhos moldurados por papuças com finas veias roxas.

Pai de dois filhos e uma filha, que já trabalhavam na cidade, vivia com a esposa, que uma vez por semana viajava para visitar a turma e levar uns agrados para os netos.

Quando a mulher estava por casa, ele raramente aparecia no bolicho e não se demorava quando ia, apenas fazia as compras e levava “combustível” pra beber em casa.

No período das “férias” como dizia, tirava os dias para se empanturrar de trago, obrigando o cusco e o cavalo a um jejum forçado.

Seu rancho virou tapera e sua morada agora se resume num monte de terra com uma cruz sem inscrição, sob a sombra de um umbu, num canto do cemitérinho, onde raramente passa alguém para um “buenas” ou “te logo”.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

AO CAVALO




Tu sabes bem meu cavalo
que as esporas que uso
não é pra fazer abuso
e nem para machucá-lo
é mais para um pacholeio
quando me sirvo do arreio
com meu entono de galo

Parceiro de toda a lida
te considero meu pingo
seja chorando ou rindo
vamos tranqueando a vida
e quando o Patrão do Céu decidir
que um de nós tem que partir
será dura a despedida

Se acaso tu for primeiro
pasteja lá pelo céu
enquanto aqui tranço um sovéu
nesta labuta de campeiro
pois se algum desgarrado reste
aí na invernada celeste
reserva pra nós parceiro