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segunda-feira, 21 de junho de 2021

NO VIRAR DO MEIO DIA

 

Zumbia uma mamangava
num buraco do esteio
talvez fazendo um floreio
ou afinando a guitarra
quem sabe por ciúme ou farra
na hora do meio dia
abafar a melodia
estridente da cigarra

Meu cusco errava bocadas
numa mosca insistente
o cinamomo da frente
quieto não se balançava
a caturra lambançava
num idioma que é só dela
e na piscina de gamela
um leitão se refrescava

Este era o cenário
depois de deixar a mesa
onde até a natureza
cochilava naquela hora
hoje uma saudade aflora
vinda do fundo do peito
pedindo que eu dê um jeito
de ir pra sestear lá fora


sexta-feira, 18 de junho de 2021

FILÓSOFAS DA VIDA FÁCIL

Sai muita cobra e lagarto
num bate boca de china
faísca na gasolina
e chispa de busca-pé
é bem coisa de "muié"
numa peleia feminina
o manotear nas quilinas
bunda de fora e banzé

Um palavreado seleto
em forma de ladainha
inflama mais ainda a rinha
e os podres vem para fora
a mais nova sempre chora
com a explanação do currículo
expoente do ridículo
que a cada "elogio" piora

E assim segue o espetáculo
no picadeiro da rua
uma pelada e outra nua
olho roxo escabeladas
com mordidas e unhadas
falta de ar e cansaço
até ganharem o "abraço"
da Patrulha da Brigada


METIDO DE PATO A GANSO


Me entreverei de carancho
num surungo certa feita
e por causa da desfeita
vinda do dono do rancho
já tumultuei o farrancho
e engrossou a peleia
meu sangue ferveu nas veias
como um rio na enchente
e amacotei o vivente
com um tapão na "oreia"

Se veio a cupinchaiada
como alcateia de lobo
e pensando não ser bobo
peguei o rumo da estrada
mesmo assim uma paulada
me fez dano na paleta
rodopiei numa piruleta
com um cutucão no pescoço
dum nagão de berro grosso
já com a agulha na espoleta

Levei muquete e sopapo
da pinha ao fim da espinha
sentindo perder a rinha
mas botando fé no taco
e por baixo do casaco
me cocei pra fazer medo
não deu certo o enredo
apesar do meu esforço
quando veio mais reforço
chegando o chinaredo

Eu levantava e caía
caía e me levantava
senti que a coisa piorava
mi'adaga foi-se à la cria
meio tonto mas ouvia
hoje a pau eu te desmancho
me meter de pato a ganso
não foi um bom resultado
e se eu não for convidado
nunca mais vou de carancho

UMA PROSA DO PEÃO COM O SANTO

 

Santo Antonio arruma um jeito
de desencalhar este xiru
só não vem com tribufu
e nem velha pelancuda
que não seja surda e muda
nem coroa da cidade
pode ser de meia idade
boa de dança e ancuda

Há muito tempo comicha
certas partes do meu corpo
tu sabes que não to morto
e ainda dou os meus galopes
posso abrir um envelope
mesmo que esteja lacrado
e carrego bem espichado
e com pedra meu bodoque

Entre a lida e a farra
até nem vi passar os anos
já to mais pra veterano
mas tenho fé e acredito
não sou rico nem bonito 
e sei que vais ter trabalho
para quebrar o meu galho
pra que eu não fique solito

Vê aí meu velho Santo
se posso ser atendido
se não estou sendo atrevido
e também vê se mereço
e se eu não te aborreço
nem te tiro a paciência
é só mandar a penitência
que eu te mando o endereço

NAS TIRAS DE UM CATRE

E na garupa do tempo
seu tempo passou
por muitos pagos distantes andou
um dia aqui outro acolá
deixando no tempo o piá
o velho chegou

Do tempo das changas
a lembrança nos calos
dos cabos e pialos
e a sova das lidas
nos olhos neblina
ao lembrar da china
pedaço da vida

A mala estufada
de muita experiência
caráter consciência
que muitos não tem
uns míseros cobres
na espera que sobre
o afago de alguém

De melena tordilha
e barba de geada
e a poeira da estrada
habitando o chapéu
nas tiras de um catre
aguarda o resgate
dos pagos do céu


quinta-feira, 3 de junho de 2021

NO SOPRO SUAVE DO VENTO

 

Depois da lida me ajeito

pra um chimarrão e um palheiro

fico bombiando no terreiro

o retoço da criação

e a sombra torta do moirão

faz me lembrar uma serpente

e o Astro Rei no poente

ainda lambe o galpão

 

Conto causos pra mim mesmo

que ouvi ou que invento

vou longe nos pensamentos

que até me perco nas horas

parece que vai embora

minh’alma num voo lento

no sopro suave do vento

que só existe aqui fora

 

No último ronco do mate

e o pito já pitado

levanto meio de lado

e vou ajeitando a carcaça

enquanto o tempo esvoaça

e um tico-tico canta

agradeço a minha Santa

por mais um dia de Graças


ÂNSIA DE BAILE




Ansioso espero o sábado

pra ir pro saracoteio

e pra ver se me enleio

nas tranças de uma chinoca

pois o meu rádio provoca

e eu carrego a bateria

quando no programa anuncia

Baitaca e o Fundo da Grota

 

Me pego com a vassoura

e saio espalhando o pé

vai poeira pro santafé

com a batida do taco

o suor do meu sovaco

escorre pela costela

e o cabelo da magrela

vai se desmanchando em fiapo

 

Um passeio pelo galpão

pra firmar a andadura

e golpear aquela pura

que busquei lá no “lambique”

pra sábado manter o pique

matando minha coceira

entreverado na poeira

dando alce ao apetite

 

Vem o sábado com sala cheia

copa farta e bom gaiteiro

deixa o vivente faceiro

que nem pinto na “quirela”

a lua vem na janela

espiar o “burburim”

talvez pra encontrar em mim

o par pra dançar com ela

 

Como a noite fica curta

no vai e vem de um surungo

parece que até o mundo

arrodeia mais ligeiro

na fumaça vem o cheiro

da querosene no fim

mas aquela ânsia em mim

não termina por inteiro

 

Já pensando noutra volta

madrugada sigo o rumo

um dia sei que me aprumo

juntando os trapos com alguém

morar longe e sem ninguém

não há cristão que aguente

porque solito um vivente

nem a sorte lhe faz bem

 

RECUERDOS E SAUDADE

Cedito ia pra escola

de calça curta e tamancos

atravessando os campos

ainda brancos de geada

com as orelhas geladas

o nariz roxo de frio

e floreando um assobio

com notas desafinadas

 

Um ventito sorrateiro

chamuscava minhas canelas

e numa prosa com elas

aligeirava os passos

abrindo mais o compasso

sobre a pinguela da sanga

e limpava o nariz com a manga

na parte inferior do braço

 

Me juntava com outro piá

lá na casa do vizinho

magricela e mulatinho

meu amigo de verdade

estes recuerdos e saudade

brotam no meu pensamento

no conforto d’um apartamento

no tumulto da cidade

 

E o mulatinho magricela

vive tranquilo por lá

com a mesma alma do piá

que me esperava na estrada

da escola não sobrou nada

além do aprendizado

do amigo e mano adotado

e as cartas da namorada