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segunda-feira, 29 de maio de 2023

NO LOMBO DA SAUDADE

Não sei se são as horas 

que empurram o tempo

ou se é o tempo 

que puxa as horas

só sei que a saudade 

que trago nos tentos

corta mais fundo 

que a roseta da espora


No lombo a saudade 

por horas me leva 

quando solito 

me ponho a matear

é um jujo bem forte 

no meio da erva

me conduzindo pra longe

sem sair do lugar


Mas as horas saudosas 

não contam no tempo 

que o Patrão do Céu 

concede a um vivente 

são divinos momentos 

pra que o tempo passado

se achegue sem pressa 

no nosso presente


sábado, 27 de maio de 2023

IDA E VOLTA

Lá vai um pobre peão 

capengueando pela estrada

leva no ombro a enxada

e calos nas suas mãos 


Lá vai o pobre peão 

de pés descalços na estrada

com sua roupa remendada

pra mais um dia de pão 


pela mesma estrada

depois da sua jornada

lá vem o pobre peão 


com sua roupa remendada 

trazendo no ombro a enxada

que não teve dó das mãos 




quarta-feira, 24 de maio de 2023

SORVENDO DEVANEIOS


As palmas das mãos se aquentam

com uma cuia entre elas

e a ideia abre a cancela

dando vazas às lembranças 

que se perdem nas distâncias

longínquas do pensamento 

quando solito me sento

chimarreando minha infância 


Feliz é aquele que pode

boas lembranças recordar

e a criança reencontrar

nos mates de devaneio

e num particular rodeio

de lembrança e de saudade

laçar com a mesma vontade 

que laçava no recreio 


Volto ao começo da estrada

que não sei onde é o fim 

mas sei de onde eu vim

sem saber pra onde vou

sei que o tempo não parou

e vai continuar sua andança

trazendo sempre a lembrança

de quem comigo mateou


sábado, 20 de maio de 2023

CUIUDO BAIO

 

Foto de Jorge Luiz Laranjeira


Uma manhã de setembro
trouxe um sol macanudo
e o meu baio cuiudo
veio pra cerca da estrada
farejando a eguada
que pastava do outro lado
e eu com pena do coitado
larguei junto com a manada

Não é só para o serviço
que aqui na terra se vive
e esta atitude que tive
foi pra ele a recompensa
pois não vejo diferença
na função de cada um
naquilo que é comum
e um macho não dispensa

terça-feira, 16 de maio de 2023

A MORTE DO FOGO

 



Na parede do galpão 

num prego enferrujado 

o velho chapéu surrado

relíquia do nosso clã

colhia a picumã

dum angico em combustão 

junto ao fogo-de-chão 

no prelúdio das manhãs


Um basto sem procedência 

que foi trono de ginetes

descansa num cavalete

das domas de antigamente 

cambona com água quente 

alça forrada com palha

no canto uma gorda talha

matava a sede da gente


Tosca chaleira de ferro

vaporava numa trempe

e no gancho da corrente

a panela pendurada

uma bomba prateada

na cuia por mim curtida

pras madrugadas compridas

matear com a peonada


Uma banqueta de couro

quatro bancos de três pernas

na parede uma lanterna 

enfumaçada na manga

quatro canzis numa canga

um buçal e um cabresto 

um balaio e um cesto

que a vó levava as quitandas


Um banco de duas pernas

pura madeira de lei

onde muito me sentei 

ouvindo os causos do Januário 

e uma metade de armário

na parede bem pregada

a farmácia improvisada

pra uso veterinário 


Num engradado de madeira

qual um armário no esteio

um rebenque e um freio

uma adaga muito antiga 

um facão marca Formiga

herança do avô paterno

espada  formando o terno

das ferramentas de briga


Numa tabuinha na parede

um pouco arriba do fogão 

era o suporte do lampião 

pra iluminar as panelas

uma bacia e uma gamela 

emborcadas sobre a mesa 

tendo ao lado a bordalesa

empanturrada até a goela 


A quincha de santa-fé

por dentro enfumaçada 

uma foice ali cravada

cujo cabo apodreceu

e tudo que já foi meu

sem permissão foi tombado

pra ser um galpão gelado

onde o fogo morreu 


domingo, 14 de maio de 2023

BILHETES DO DESTINO


Dois rapazes (um sem saber do outro), disputavam uma determinada moça, filha única, com ar de beata e de família muito religiosa . A danada, sorrateira, dava "corda" para os dois, às escondidas, através de bilhetes. Era bilhete pra lá e bilhete pra cá. 


Cada um tinha um guri mensageiro, mas ela dois, "pra mode" não haver troca de destinatário. Nenhum guri sabia que tinha outro guri, ou guris, com a mesma missão, apesar de serem conhecidos entre si.


No vaivém dos bilhetes, o guri mensageiro de um dos rapazes, desconfiou que a moça nunca mandava resposta, então falou que ele era bobo, que a moça não queria nada com ele porque quando ela pegava o bilhete, não lia e amassava. Mas como recebia as mensagens dela por outro guri  desconversou seu mensageiro que continuou sendo o fiel portador.


Num domingo de festa, na paróquia, dentre muitos paroquianos, estavam presentes os quatro guris, os dois rapazes, a moça com a família. Todos passeavam pelo pátio da igreja, porém não juntos.


Lá pelas tantas, coincidentemente quando os guris se encontraram, um dos mensageiros comentou:

- Aquele moço alto, de casaco e bombacha azul e lenço vermelho, me dá gorjeta pra levar bilhetes para aquela moça morena, de tranças, de blusa estampada e saia preta. 


Outro guri diz:

- Safada, ela também me dá  gorjeta para levar bilhetes para aquele outro moço de chapéu cinza, de aba larga, camisa e bombacha branca, lenço branco e colete da cor do chapéu.


Outro guri também se manifestou:

- Pois o de chapéu cinza me dá gorjeta pra levar bilhete pra ela.


Outro fala:

- Por mim ela manda bilhete para o moço de azul e também recebo gorjeta.


Os bilhetes que a moça recebia, eram guardados numa caixa, a qual só ela sabia o esconderijo, no seu próprio quarto, onde todas as noites lia e relia a correspondência recente, bem como as mais antigas.


Em uma noite de temporal, quando ela estava só, no seu quarto, já  deitada, lendo os bilhetes, houve um estrondo muito forte de um raio. Assustada e com medo, ela correu até o quarto dos pais e pediu para deitar com eles. O pai então mandou que ela dormisse com a mãe e ele foi dormir no quarto da filha. Na correria, a caixa com os bilhetes ficou aberta sobre a cama, dando a oportunidade do velho ler todos os bilhetes. 


Ali estavam bilhetes indecorosos, sugestões para encontros amorosos noturnos, proposta para fugir de casa, além de alguns desenhos obscenos.


Sem dormir o resto da noite, o velho esperou o novo dia para invadir o quarto onde mãe e filha dormiam.


Aos gritos, com a caixa na mão, esbufeteou a moça jogando todos os bilhetes por cima dela, pedindo explicação e ao mesmo tempo colocando sua esposa a par da situação.


Foi um reboliço danado, resultando à filha uma proibição de sair de casa ou conversar com alguém

Até na igreja não poderia ir.


Como eram muito religiosos, o velho foi contar ao padre e pedir que fosse umas duas ou três vezes confessar, levar a comunhão, aconselhar e até mesmo para umas aulas de música.


Na tardinha do mesmo dia o padre foi professar os sacramentos a domicílio, incluindo um longo conselho, num confessionário improvisado, onde só ele e a moça ficavam.


Os dias foram passando, as visitas do padre continuavam, o  relacionamento da família voltando ao normal, os agradecimentos ao vigário, que às vezes ficava para um lanche ou então um almoço no domingo, após a missa.


Num desses domingos, a moça estava muito radiante e disposta, sugerindo que o padre a acompanhasse ao piano e cantou uma canção que emocionou os pais.

Na despedida o padre agradeceu a hospitalidade dos velhos  sem antes tecer um caloroso elogio pela interpretação da filha como cantora.


Na semana seguinte a moça  fugiu com o padre e os guris ficaram sem as gorjetas que lhes garantiam as merendas na escola.






sábado, 13 de maio de 2023

UM DIA DE LIDA

 

Buenos dias

"cevemo" um mate

"tomemo" um café

e "saímo" pra lida

lá  pelo meio dia

se "enchemo" de boia

que a tarde é comprida


Buenas tarde

terminou a sesteada

uma água na fuça

e se "bamo" de novo

de tardezita se "banhemo" na sanga

depois "recheá" o bucho

e se "mandá" para o povo


Buenas noite

pra o dono da sala

pro "homi" da copa 

e uma "chuliada" nas chinas

se "atraquemo" de pronto na dança 

sem "perca" de tempo

porque o baile se finda


(Esta poesia é afilhada do meu amigo Arleo Puccini Cezar, que a batizou com este sugestivo título)

sexta-feira, 12 de maio de 2023

VIDA QUE SEGUE


A noite banhou-se em prata

depois que a lua surgiu

e da barranca do rio

furando a correnteza 

uma linha firme presa

na mão dum peão tarimbeiro 

sonda dali do pesqueiro 

um frito pra sua mesa


Um rancho também banhou-se

naquela luz prateada

dentro dele a prenda amada

com medo de estar sozinha 

reza pra sua santinha 

pedindo a proteção 

para ela e para o peão 

e que o peixe puxe a linha


Mas o medo vale a pena

dependendo a situação 

e neste caso há razão 

quando algo se anuncia 

a prenda com alegria

concorda que vá solito 

pois de comer peixe frito

sente desejo há dias


Sentado sobre o lombilho 

desarremanga a bombacha

da uma bicada na cachaça 

pra espantar os mosquitos 

e ao mirar o infinito

veio à mente sua prenda

de camisola de renda

tendo no ventre um piazito 


Algumas luas ainda faltam

pra que a prenda dê a luz

e com a fé em Jesus

é esperado o herdeiro

que do pai será parceiro 

lá aonde o peixe peleia

nas noites de lua cheia

no silêncio de um pesqueiro 


segunda-feira, 8 de maio de 2023

O TAURA E A LUA



A lua bonita
numa noite calma

nenhuma vivalma
pelo corredor
no peito um calor
daquele vivente
chegou num repente
com o fogo do amor

Olhando pra lua
lembrava da china
com a mesma retina
daquele luar
do brilho no olhar
no rosto trigueiro
e sorriso matreiro
na hora de amar

Proseou em silêncio
com a lua brilhosa
que vagarosa
na noite seguiu
o taura sentiu
o peito aliviado
e no pala enrolado
ali mesmo dormiu