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terça-feira, 16 de maio de 2023

A MORTE DO FOGO

 



Na parede do galpão 

num prego enferrujado 

o velho chapéu surrado

relíquia do nosso clã

colhia a picumã

dum angico em combustão 

junto ao fogo-de-chão 

no prelúdio das manhãs


Um basto sem procedência 

que foi trono de ginetes

descansa num cavalete

das domas de antigamente 

cambona com água quente 

alça forrada com palha

no canto uma gorda talha

matava a sede da gente


Tosca chaleira de ferro

vaporava numa trempe

e no gancho da corrente

a panela pendurada

uma bomba prateada

na cuia por mim curtida

pras madrugadas compridas

matear com a peonada


Uma banqueta de couro

quatro bancos de três pernas

na parede uma lanterna 

enfumaçada na manga

quatro canzis numa canga

um buçal e um cabresto 

um balaio e um cesto

que a vó levava as quitandas


Um banco de duas pernas

pura madeira de lei

onde muito me sentei 

ouvindo os causos do Januário 

e uma metade de armário

na parede bem pregada

a farmácia improvisada

pra uso veterinário 


Num engradado de madeira

qual um armário no esteio

um rebenque e um freio

uma adaga muito antiga 

um facão marca Formiga

herança do avô paterno

espada  formando o terno

das ferramentas de briga


Numa tabuinha na parede

um pouco arriba do fogão 

era o suporte do lampião 

pra iluminar as panelas

uma bacia e uma gamela 

emborcadas sobre a mesa 

tendo ao lado a bordalesa

empanturrada até a goela 


A quincha de santa-fé

por dentro enfumaçada 

uma foice ali cravada

cujo cabo apodreceu

e tudo que já foi meu

sem permissão foi tombado

pra ser um galpão gelado

onde o fogo morreu 


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