Foto de Giancarlo M. de Moraes
As
nuvens num fim de tarde
galoparam
pra o infinito
e eu
mateando solito
galopei
num devaneio
no
pensamento me veio
recuerdos
da minha infância
quando
tinha aquela ânsia
de ver
querências bem longe
conhecer
pagos sei onde
de
encurtar as distâncias
Me vi no
colo da mãe
do pai
do vô e da vó
ouvi até
o corococó
do meu
galo garnisé
a pena
de caburé
fincada
no meu chapéu
vi a
regeira o sovéu
e uma
garra de pelego
lembrança
de um borrego
que me
deu muito boléu
Me vi um
guri descalço
calça
curta de tirante
uma
cinta de barbante
que veio
atando o pacote
de um
freio e um serigote
comprados
de um andarilho
pra
encilhar um potrilho
da doma
de meu padrinho
cavalo
flor de mansinho
como deu
bueno o tordilho
Vi as
casas, vi o terreiro
me vi
dentro da mangueira
vi a
vaca mais leiteira
vi o
apojo nas canecas
angolistas,
as marrecas
vi os
porcos e as galinhas
e a
petiça “gauchinha”
de
orelha tesa e ligeira
quando
estalava a soiteira
botando
as vacas à tardinha
Me vi
braceando no açude
e
pescando lambaris
um casal
de bem-te-vis
cantando
dentro da tarde
vi os
gansos num alarde
se
demonstrando com entono
pra
dizer quem era o dono
do
território naval
numa
tarde divinal
dessas
que fazem no outono
Eu vi a
água da sanga
bebi na
concha da mão
soltei
os meus pés no chão
na
tabatinga vermelha
vi um
enxame de abelhas
num oco
se aquerenciando
vi o
carneiro martelando
mandando
água pras casas
e numa
parte mais rasa
lambarizinhos
prateando
Me vi
frequentando a aula
na
escola municipal
recém
botando o buçal
das
contas e do alfabeto
sentado
num canto quieto
sempre
atento e obediente
e no
quadro lá na frente
a
professora Manoela
não
tinha arreglo com ela
quando
ralhava com a gente
Vi o
balcão do bolicho
e também
vi as prateleiras
vi as
louças e chaleiras
enxadas,
pás e machados
palas e
ponchos pendurados
lampiões
da marca aladin
chapéus,
bombachas, selins
tecidos,
linhas e rendas
e a
guria da venda*
que eu queria
pra mim
* hoje
minha esposa
Vi a
carreta na sombra
descansando no muchacho
ovelhas
deitadas embaixo
e folhas
secas por cima
vi a
terneira brasina
de
barbilha no focinho
vi um
casal de canarinhos
na casa
do João-de-barro
e o vô
pitando um cigarro
de um
fumo amarelinho
Vi meu
pai jogando bocha
campo a
fora e na estrada
me
lembrei de uma bochada
que
acertou numa “periá”
eu vi o
caraguatá
que a
coatiara se escondia
também
vi as melancias
na
lavoura do vizinho
e o
canivete fininho
que as
mais maduras partia
A
infância foi me passando
como um
filme na tela
verso da
vaca amarela
e causos
do Malazarte
os
compromissos, as artes
com os
guris da vizinhança
pescarias
e melanças
e
mangueiras no terreiro
sendo o
maior fazendeiro
na
fantasia de criança
Um
relincho de cavalo
me
despertou num repente
vim de
volta ao presente
limpei
os olhos escorrendo
senti o
coração batendo
num
compasso diferente
as
lágrimas saem da vertente
quando a
saudade nos bate
e ao
encher de novo o mate
a água
já não estava mais quente