Numa noite fria e
chuvosa, daquelas que fazem em julho e agosto, principalmente, a peonada fazia
um serão em roda do fogo. Depois da boia, entre mates e palheiros, vinham os
causos. Como não podia faltar, os de coisas do outro mundo.
Seu Lautério, solteirão e
peão mais velho da turma, foi solicitado a contar um também, para espantar o
sono. Pigarreou, se ajeitou no banco e com sua voz rouca e compassada falou:
- Pois sabe vosmecê, que
tempos atrás, eu andava com um sonho esquisito. Toda noite no sonho, me vinha
um rapazote que dava oh de casa na porteira e quando eu saía pra fora, o dito
não tava mais e eu, só ficava ouvindo o bate casco do cavalo dele, já longe. Assim
foram muitas vezes.
Certo dia, pra banda da
noite, eu ainda não tinha deitado. Isto quer dizer que eu tava acordado e a
cuscada deu sinal. Pela fresta da janela, avistei que na estrada, em frente a
porteira, havia um rapazote que segurava o cavalo pelo cabresto, dando oh de
casa!
Abri a metade da janela. Não
era conhecido, mas parecido com o do sonho e ao me ver, pediu licença para
entrar. Mandei que esperasse eu ir até a porteira, pois, os cachorros estavam
acostumados a atacar estranhos que, sem a minha presença, haviam tentado
entrar.
Prevenido com o trabuco
na cintura por baixo da camisa, saí pela porta dos fundos onde os cachorros
vinham até eu e voltavam fazendo carga, lá próximo à porteira.
Do canto da casa, já no
terreiro, perguntei de que se tratava, quem era e de onde vinha. Minha mulher,
de dentro do rancho, cochichava pra que eu tomasse cuidado.
Ralhei com os cachorros e
quando se acalmaram, o estranho cumprimentou, tirando o chapéu.
Com uma pergunta, me
chamou pelo nome. Confirmei com um aceno de cabeça.
Atirou o lado direito do
poncho para trás, onde eu pude ver uma túnica azul, com botões pretos. Observei
de relance que as botas que usava eram diferentes das nossas. De dentro do
bolso da túnica, puxou um envelope e me entregou.
Com a unha do polegar,
fui rasgando o envelope, enquanto o rapazote procurou a volta do cavalo e
montou.
Apenas uma folha de papel
em branco era o que recheava o envelope. Surpreso perguntei: mas o que
significa isto, de onde vem?
Acordei sentado na cama e
feliz porque pelo menos neste sonho, eu não era solteirão.