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quarta-feira, 17 de junho de 2020

... DAS MEMÓRIAS

Foto de Giancarlo M. de Moraes


Foi um momento sublime

tendo o neto por parceiro

quando a lanterna de Deus

iluminou o pesqueiro

segunda-feira, 15 de junho de 2020

BAIA COLEIRA


Tive um mau pressentimento
quando cheguei na porteira
não vi minha baia coleira
deitada me esperando
cerrei perna e galopando
nas casas apeei
e de vereda avistei
a cadela agonizando

Quando chamei por seu nome
abanou a cola pra mim
senti que chegava ao fim
a vida da minha cadela
tentei conversar com ela
mas a voz não me saiu
e garanto que ela sentiu
que eu tava com nó na goela

Passei-lhe a mão pelo corpo
examinando a ferida
teve a pata mordida
por uma cobra venenosa
pobre cadela amorosa
que já tinha me livrado
quando borquiei o arado
de uma cruzeira assombrosa

Meus olhos se encheram d’água
ao ver a cadela morrendo
às vezes eu não compreendo
estes deslizes da sorte
o homem já não foi forte
mesmo lá no paraíso
quando Adão perdeu o juízo
deixando-nos de herança a morte

Abri uma cova funda
na tapera da coxilha
junto ao pé de coronilha
pra sepultar a cadela
dei um adeus para ela
numa homenagem sincera
pois sei que lá na tapera
vai ficar de sentinela

Voltei pras casas tristonho
com a garganta apertada
fui logo ver a ninhada
que grunhia numa caixa
solução sempre se acha
na lida do campeirismo
reza o nosso catecismo
para que se crie guaxa

Levei todos para dentro
ouvindo meu coração
e debaixo do fogão
ajeitei um lugarzinho
sei que terão o carinho
de todo o pessoal da casa
batizaram uma de brasa
faltam duas e o cachorrinho

Os dias vão se passando
e vai crescendo a ninhada
a caixa já está apertada
e não param dentro dela
o cusquinho é o sentinela
e rusna botando banca
e a que tem coleira branca
é certo fico com ela

É igualzinha a mãe
tem o rabinho enroscado
uma manchinha no lado
herança da minha coleira
muito mimosa e festeira
gosto de brincar com ela
pois será outra cadela
a me esperar na porteira

sábado, 13 de junho de 2020

POR VEZES ATÉ SE CHORA




No mato a gente se pelava,
pra na sanga tomar banho,
não tinha nada de estranho
pra gurizada de fora,
nadava-se por mais de hora,
aproveitando o mormaço,
dando coice e manotaço
como bagual na espora.

Num lugarzito mais fundo,
onde a água era bem limpa,
subia-se lá nas grimpas
do angico pra um mergulho,
no poço do pedregulho,
a gente se divertia,
quando lá embaixo se ouvia,
das “borbolhas” o barulho.

Uns se atiravam de bico,
outros saltavam de pé
quem não ia era “muié”,
chamavam Chica pelanca,
enferruscavam a carranca,
corriam pra pegar a gente,
balançando o da frente
e relampeando a bunda branca.

São recuerdos da infância,
que nos levam lá pra fora,
por vezes até se chora,
num misto alegre/triste,
em nosso íntimo existem
estas saudosas histórias,
que nos brotam da memória,
quando a saudade persiste!

...DAS MEMÓRIAS


quinta-feira, 11 de junho de 2020

EM RODA DO FOGO



Numa noite fria e chuvosa, daquelas que fazem em julho e agosto, principalmente, a peonada fazia um serão em roda do fogo. Depois da boia, entre mates e palheiros, vinham os causos. Como não podia faltar, os de coisas do outro mundo.

Seu Lautério, solteirão e peão mais velho da turma, foi solicitado a contar um também, para espantar o sono. Pigarreou, se ajeitou no banco e com sua voz rouca e compassada falou:

- Pois sabe vosmecê, que tempos atrás, eu andava com um sonho esquisito. Toda noite no sonho, me vinha um rapazote que dava oh de casa na porteira e quando eu saía pra fora, o dito não tava mais e eu, só ficava ouvindo o bate casco do cavalo dele, já longe. Assim foram muitas vezes.

Certo dia, pra banda da noite, eu ainda não tinha deitado. Isto quer dizer que eu tava acordado e a cuscada deu sinal. Pela fresta da janela, avistei que na estrada, em frente a porteira, havia um rapazote que segurava o cavalo pelo cabresto, dando oh de casa!

Abri a metade da janela. Não era conhecido, mas parecido com o do sonho e ao me ver, pediu licença para entrar. Mandei que esperasse eu ir até a porteira, pois, os cachorros estavam acostumados a atacar estranhos que, sem a minha presença, haviam tentado entrar.

Prevenido com o trabuco na cintura por baixo da camisa, saí pela porta dos fundos onde os cachorros vinham até eu e voltavam fazendo carga, lá próximo à porteira.

Do canto da casa, já no terreiro, perguntei de que se tratava, quem era e de onde vinha. Minha mulher, de dentro do rancho, cochichava pra que eu tomasse cuidado.

Ralhei com os cachorros e quando se acalmaram, o estranho cumprimentou, tirando o chapéu.

Com uma pergunta, me chamou pelo nome. Confirmei com um aceno de cabeça.

Atirou o lado direito do poncho para trás, onde eu pude ver uma túnica azul, com botões pretos. Observei de relance que as botas que usava eram diferentes das nossas. De dentro do bolso da túnica, puxou um envelope e me entregou.

Com a unha do polegar, fui rasgando o envelope, enquanto o rapazote procurou a volta do cavalo e montou.

Apenas uma folha de papel em branco era o que recheava o envelope. Surpreso perguntei: mas o que significa isto, de onde vem?

Acordei sentado na cama e feliz porque pelo menos neste sonho, eu não era solteirão.


domingo, 7 de junho de 2020

... DAS TAPERAS


Uma estrada do gado
junto ao capão de “ocalito”
e um palanque solito
lembrando a antiga mangueira
a malha de taquareira,
se balançando com sono
e o velho cinamomo,
esgoelado por uma figueira

Resquícios de um velho forno
nos tocos de tarumã
um pé antigo de romã
o esqueleto de um arado
fios de arame farpado
que a ferrugem vai comendo
como a saudade roendo
dentro de nós o passado

Só sobrou do arvoredo
um toco aqui e outro ali
e do poço que bebi
nem o bocal eu achei
imaginando matei
a sede como outrora
e a água naquela hora
foram as lágrimas que chorei

NÃO BASTA SER BUENO

Foto de Carlos Alberto Tatsch
Melena ruiva e barbudo,
mas bueno de serviço,
muito zelo e capricho
em tudo o que fazia.
Sempre no clarear do dia
era o primeiro que pulava,
chimarrão e café tomava
e num trotezito saía.

Moço de pouca conversa,
porém honesto e franco
e numa lida de campo,
desdobrava-se bonito,
curava uma rês solito
num rosilho cinchador,
tendo o pai por professor,
deu mui bueno o rapazito.

Manejava uma tesoura
com manhas de tosador
e cismas de domador
no lombo de um aporreado.
Montava por qualquer lado,
trançava com perfeição,
e na volta de um fogão
dava conta do recado.

Trabalhava na fazenda
já fazia algum tempo.
Tudo ia a contento,
não fosse o coração,
envolver-se numa paixão,
que apesar de proibida,
também era correspondida
pela filha do patrão.

O rapaz na sua franqueza,
sentia que estava errado
e andava abichornado
com aquela situação,
pra ele era uma traição,
com quem lhe dera confiança,
já não era mais criança
e foi falar ao patrão.

O patrão lhe recebeu
estando a patroa junto,
quando souberam do assunto
revoltaram-se na hora.
Botaram-lhe porta à fora,
sem pagar nenhum direito
e com um aperto no peito,
sem o amor foi embora.

Seria forte o motivo
para aquela decisão,
largar assim o peão
sem antes falar com a filha?
Ao rapaz boa família,
pelo menos um adeus!
Terá o perdão de Deus,
quem despreza e humilha?

sexta-feira, 5 de junho de 2020

PELEIA DE PENAS




Xomico que coisa feia
quando estourou a peleia
da Finoca com a Maruca
as duas do mesmo porte
disputavam vida e morte
numa batalha maluca

A poeira levantava
Finoca firme atacava
e Maruca caindo fora
asa perna e pescoço
e a plateia num alvoroço
tentando saltar pra fora

Num voo rápido e certeiro
qual um gavião tarimbeiro
a Maruca foi por cima
a Finoca num rasante
se livrou no mesmo instante
pois tinha cruza com fina

Eu pitando apreciava
quando uma ou outra pegava
na encarniçada rinha
e quando findou o palheiro
entrei no meu galinheiro
e separei as galinhas

Saudade da velha querência
lembranças da adolescência
que me chegam num cochicho
fui assim desde guri
e até depois que cresci
sempre dou nome aos bichos



quarta-feira, 3 de junho de 2020

SEDE DE MATE



Vinha com léguas de estrada
no lombo da minha tordilha
quando avistei lá na coxilha
as grimpas de um catavento
pra quem andava sedento
e louco por um chimarrão
ao ver o rancho meu irmão
senti um calor por dentro

Dei um cutuco na égua
me ajeitando no basto
mudou até o compasso
do coração no meu peito
eu sempre chego com jeito
nos ranchos deste meu pago
onde me vem um amargo
com erva buena e bem feito

Dei oh de casa! Da estrada
e ouvi um chegue pra diante
boleei a perna e num instante
apareceu um paisano
dizendo buenas hermano
te aprochega para um mate
pronunciado num sotaque
brasileiro/castelhano

Dei água para a tordilha
depois segui a jornada
bater casco nas estradas
esta é a minha identidade
mas quando aperta a vontade
dum mate pra matar a sede
sempre tem quatro paredes
nos dando hospitalidade

Assim vou passando os anos
assim vou levando a vida
faz parte da minha lida
chimarrear em algum momento
sou calmo não sou briguento
sou da paz reprovo a guerra
e que Deus me guie aqui na Terra
até findar o meu tempo