Páginas

Marcadores

domingo, 6 de dezembro de 2020

DAS VOLTEADAS


Mais ou menos a meia tarde
tomei um banho de sanga
e volteei o baio no campo
pois eu andava desinquieto
me ortigava a carcaça
como se fosse sarampo

De pilcha nova e cheiroso
saí batendo estrivo
qual um valete de ouro
na guaiaca uma ponchada
farejando um fandango
pra me ajeitar num namoro

Meu baio trocando orelhas
troteava atravessado
pachola que nem o dono
com a fumaça do palheiro
voavam meus devaneios
sob um luar de outono

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

VAZA PERDIDA


 

Foi debaixo do mau tempo

que o maula se viu malito

pois peleava solito

já meio na água benta

porém bem de ferramenta

contrabando da Argentina

uma adaga de ponta fina

juntava beiço com venta

 

Cortava pelos dois lados

dois centímetros de largura

cinquenta de envergadura

do S até a ponta

a qual recebeu em conta

por uma de tantas lidas

sempre à mão mas escondida

pra o caso de alguma afronta

 

Era ligeirito o maula

magrela alto e melenudo

empafiado e topetudo

metia em tudo a colher

que nem flor de mal-me-quer

mudando a cor da coxilha

debochava numa encilha

se fresquiando pras mulher

 

Num baio Quarto de Milha

com cruza de Bororó

fazia forrobodó

quando tinha carreirada

chapéu de aba quebrada

e fumaceando um palheiro

passeava o parelheiro

dando sessenta por nada

 

Dava um dente por encrenca

se valendo da destreza

gostava de virar a mesa

quando a sorte não lhe vinha

e nos tambores de rinha

também fazia lambança

tendo certeza e confiança

no recheio da bainha

 

Era assim a diversão

do magrela melenudo

que se metia em tudo

e que um dia se deu mal

chegou bancando o bagual

como de sempre fizera

e topou com outro cuera

castelhano por sinal

 

Meia dúzia de ofensas

e olhares de cara feia

fedeu logo à peleia

entre dois da mesma linha

nenhum tirava farinha

mas num golpe bem cuiudo

vidrou os olhos o melenudo

com um balaço na pinha

 

Diz um velho ditado

que de tanto ir ao ninho

a raposa deixa o focinho

por se achar esperta na lida

e numa vaza perdida

um maula muito confiante

querendo levar tudo por diante

deixa pra trás sua vida

 

sábado, 5 de setembro de 2020

NÃO TE IMPORTA





Não te importa se vai haver lambanças
vem logo esvoaçar as tranças
na garupa de um tordilho
que há muito tempo que encilho
com os arreios da esperança

Também um ranchinho tosco
feito com capricho e gosto
servirá pra nosso ninho
onde terás o meu carinho
com mil beijos no teu rosto

As lambanças eu desfaço
e vou matando num cansaço
os carentes de afago
que se consolam no trago
enquanto te junto nos braços





sexta-feira, 28 de agosto de 2020

quarta-feira, 29 de julho de 2020

DOMANDO A CIÊNCIA

No último dia de aula
antes das férias de julho
o piá se encheu de orgulho
com a nota da sabatina
uma nota bem acima
das outras que tinha tido
pois havia prometido
achar o filão na mina

A aula terminou mais cedo
nem chegou a ter recreio
e o piá louco de faceiro
andava lá nas alturas
a mais feliz criatura
alarife e pachola
como se o acontecido na escola
já fosse a formatura

Deu um tropelão pela estrada
escramuçando o petiço
pacholeava o piá magriço
embebido de alegria
botou tudo o que sabia
naquela folha de almaço
mostrando desembaraço
confiança e sabedoria

Com ares de autoridade
chegou em casa num upa
carregando na garupa
um entusiasmo ferrenho
sucesso no desempenho
e fibra de vencedor
como o mais hábil pintor
dá vida a um desenho

Da mãe abraço e beijo
e do pai um incentivo
o fato foi um estrivo
pra alçar a perna no estudo
e fazer que aquele miúdo
um dia dome a ciência
e que com toda a excelência
faça valer o “canudo”

sábado, 18 de julho de 2020

REFLEXO DO FULGOR

Foto de Marcelo Neves Pinto
O astro rei se despede

deixando o céu colorido

e uma nesga do fulgor

no açude refletido

terça-feira, 14 de julho de 2020

PLANTANDO UMA MORADA


Eu gostava do lugar
desde o tempo de piazito
era um recanto bonito
pra plantar uma morada
bem na volta da estrada
num sentado de campo
com o mato fazendo canto
contra a boca da picada

Cresci e comprei a terra
do filho do seu Totonho
para realizar o sonho
de quando era guri
fechei os olhos e vi
tudo bem como eu queria
e graças a Deus veio o dia
de fincar meu rancho ali

Comprei seis toras de angico
do mato do seu Felício
e falquejei a capricho
pra o rancho ficar de pé
mil feixes de santa-fé
tudo por uns vinte contos
e rolos de arame ponto
pra se amarrar como é

Fiz cacimba no olho d’água
com um carneiro que bate
pra garantia do mate
e a sede do bicharedo
no lado esquerdo o arvoredo
por causa dos temporais
e algumas plantitas mais
todas escolhidas a dedo

Um carreiro de cinamomo
uma baguala figueira
sombreando na mangueira
e um Tarumã no potreiro
Quero-quero e João-barreiro
galpão com fogo de chão
pra o churrasco e o chimarrão
e a prosa com os parceiros

Tá tudo como eu queria
só falta o coração
se domar numa paixão
e deixar de ser caborteiro
me despedir de solteiro
me amarrar com uma prenda
da cegonha uma encomenda
pra brincar no meu terreiro

quarta-feira, 1 de julho de 2020

NA TASCA DA TIA CATURRA



Nos sábados de tardezita
dou de mão na minha guitarra
pra me entreverar na farra
na tasca da tia Caturra
onde a gente se empanturra
de vinho doce e cachaça
e sacudindo a carcaça
se dança e se lava a burra

O gaiteiro é o Mão de Ouro
pra quem eu faço um costado
o Zé Rato turbinado
dá-lhe tapa num pandeiro
o Laranja no legueiro
dá paulada e se sacode
e o velho Chico Bigode
fumaceia um palheiro

As chinas se refestelam
balançando o recavem
dar carão nunca faz bem
é sinônimo de peleia
o sangue ferve na veia
num beijito traiçoeiro
onde a luz do candieiro
num canto pouco clareia

Na caixa a tia Caturra
não se descuida no troco
que pra ela sempre é pouco
pois por dinheiro é “chorona”
de sovina tem diploma
pós-graduação e mestrado
e ainda concluiu DOUTORADO
na Faculdade da Zona

Na copa o Grilo e o Toco
se desdobram no balcão
vez por outra um beliscão
num caneco alouçado
pra dar conta do recado
e da goela tirar o pó
e a Tia Caturra sem dó
com um olhar dá o recado

A noite vai se esvaindo
a madrugada se aproxima
o sono tenteia a china
que já tá embaixo “d’asa”
e o xiru aproveita a vaza
faz uma proposta no ouvido
daquelas que faz sentido
quando o corpo vira brasa

O sol chega de manso
junto com a última marca
então o xiru “acarca”
o apertão de despedida
na copa continua a lida
com o ritual da saideira
e a tia Caturra sorrateira
com a gaveta entupida





quarta-feira, 17 de junho de 2020

... DAS MEMÓRIAS

Foto de Giancarlo M. de Moraes


Foi um momento sublime

tendo o neto por parceiro

quando a lanterna de Deus

iluminou o pesqueiro

segunda-feira, 15 de junho de 2020

BAIA COLEIRA


Tive um mau pressentimento
quando cheguei na porteira
não vi minha baia coleira
deitada me esperando
cerrei perna e galopando
nas casas apeei
e de vereda avistei
a cadela agonizando

Quando chamei por seu nome
abanou a cola pra mim
senti que chegava ao fim
a vida da minha cadela
tentei conversar com ela
mas a voz não me saiu
e garanto que ela sentiu
que eu tava com nó na goela

Passei-lhe a mão pelo corpo
examinando a ferida
teve a pata mordida
por uma cobra venenosa
pobre cadela amorosa
que já tinha me livrado
quando borquiei o arado
de uma cruzeira assombrosa

Meus olhos se encheram d’água
ao ver a cadela morrendo
às vezes eu não compreendo
estes deslizes da sorte
o homem já não foi forte
mesmo lá no paraíso
quando Adão perdeu o juízo
deixando-nos de herança a morte

Abri uma cova funda
na tapera da coxilha
junto ao pé de coronilha
pra sepultar a cadela
dei um adeus para ela
numa homenagem sincera
pois sei que lá na tapera
vai ficar de sentinela

Voltei pras casas tristonho
com a garganta apertada
fui logo ver a ninhada
que grunhia numa caixa
solução sempre se acha
na lida do campeirismo
reza o nosso catecismo
para que se crie guaxa

Levei todos para dentro
ouvindo meu coração
e debaixo do fogão
ajeitei um lugarzinho
sei que terão o carinho
de todo o pessoal da casa
batizaram uma de brasa
faltam duas e o cachorrinho

Os dias vão se passando
e vai crescendo a ninhada
a caixa já está apertada
e não param dentro dela
o cusquinho é o sentinela
e rusna botando banca
e a que tem coleira branca
é certo fico com ela

É igualzinha a mãe
tem o rabinho enroscado
uma manchinha no lado
herança da minha coleira
muito mimosa e festeira
gosto de brincar com ela
pois será outra cadela
a me esperar na porteira

sábado, 13 de junho de 2020

POR VEZES ATÉ SE CHORA




No mato a gente se pelava,
pra na sanga tomar banho,
não tinha nada de estranho
pra gurizada de fora,
nadava-se por mais de hora,
aproveitando o mormaço,
dando coice e manotaço
como bagual na espora.

Num lugarzito mais fundo,
onde a água era bem limpa,
subia-se lá nas grimpas
do angico pra um mergulho,
no poço do pedregulho,
a gente se divertia,
quando lá embaixo se ouvia,
das “borbolhas” o barulho.

Uns se atiravam de bico,
outros saltavam de pé
quem não ia era “muié”,
chamavam Chica pelanca,
enferruscavam a carranca,
corriam pra pegar a gente,
balançando o da frente
e relampeando a bunda branca.

São recuerdos da infância,
que nos levam lá pra fora,
por vezes até se chora,
num misto alegre/triste,
em nosso íntimo existem
estas saudosas histórias,
que nos brotam da memória,
quando a saudade persiste!

...DAS MEMÓRIAS


quinta-feira, 11 de junho de 2020

EM RODA DO FOGO



Numa noite fria e chuvosa, daquelas que fazem em julho e agosto, principalmente, a peonada fazia um serão em roda do fogo. Depois da boia, entre mates e palheiros, vinham os causos. Como não podia faltar, os de coisas do outro mundo.

Seu Lautério, solteirão e peão mais velho da turma, foi solicitado a contar um também, para espantar o sono. Pigarreou, se ajeitou no banco e com sua voz rouca e compassada falou:

- Pois sabe vosmecê, que tempos atrás, eu andava com um sonho esquisito. Toda noite no sonho, me vinha um rapazote que dava oh de casa na porteira e quando eu saía pra fora, o dito não tava mais e eu, só ficava ouvindo o bate casco do cavalo dele, já longe. Assim foram muitas vezes.

Certo dia, pra banda da noite, eu ainda não tinha deitado. Isto quer dizer que eu tava acordado e a cuscada deu sinal. Pela fresta da janela, avistei que na estrada, em frente a porteira, havia um rapazote que segurava o cavalo pelo cabresto, dando oh de casa!

Abri a metade da janela. Não era conhecido, mas parecido com o do sonho e ao me ver, pediu licença para entrar. Mandei que esperasse eu ir até a porteira, pois, os cachorros estavam acostumados a atacar estranhos que, sem a minha presença, haviam tentado entrar.

Prevenido com o trabuco na cintura por baixo da camisa, saí pela porta dos fundos onde os cachorros vinham até eu e voltavam fazendo carga, lá próximo à porteira.

Do canto da casa, já no terreiro, perguntei de que se tratava, quem era e de onde vinha. Minha mulher, de dentro do rancho, cochichava pra que eu tomasse cuidado.

Ralhei com os cachorros e quando se acalmaram, o estranho cumprimentou, tirando o chapéu.

Com uma pergunta, me chamou pelo nome. Confirmei com um aceno de cabeça.

Atirou o lado direito do poncho para trás, onde eu pude ver uma túnica azul, com botões pretos. Observei de relance que as botas que usava eram diferentes das nossas. De dentro do bolso da túnica, puxou um envelope e me entregou.

Com a unha do polegar, fui rasgando o envelope, enquanto o rapazote procurou a volta do cavalo e montou.

Apenas uma folha de papel em branco era o que recheava o envelope. Surpreso perguntei: mas o que significa isto, de onde vem?

Acordei sentado na cama e feliz porque pelo menos neste sonho, eu não era solteirão.


domingo, 7 de junho de 2020

... DAS TAPERAS


Uma estrada do gado
junto ao capão de “ocalito”
e um palanque solito
lembrando a antiga mangueira
a malha de taquareira,
se balançando com sono
e o velho cinamomo,
esgoelado por uma figueira

Resquícios de um velho forno
nos tocos de tarumã
um pé antigo de romã
o esqueleto de um arado
fios de arame farpado
que a ferrugem vai comendo
como a saudade roendo
dentro de nós o passado

Só sobrou do arvoredo
um toco aqui e outro ali
e do poço que bebi
nem o bocal eu achei
imaginando matei
a sede como outrora
e a água naquela hora
foram as lágrimas que chorei