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quarta-feira, 26 de abril de 2023

ABAJUR CAMPEIRO

Aproveitando o vidro

quando terminou o xarope 

não ficou um holofote 

meu lampião à "querosena"

mas sua chama pequena 

o meu rancho ilumina 

e os olhos da minha china

brilham na face morena


Um pavio de algodão 

se esconde dentro do vidro

mergulhado retorcido 

que da evolução fugiu

relíquia do meu feitio

com uma tampa de garrafa 

curtida a fogo e fumaça 

meu campeiro luzidio


No centro da minha mesa

ou na cabeceira da cama

tua oscilante chama

vai peleando com o escuro

se às vezes  eu te seguro

e na palma da mão te escondo

é pra me livrar de tombo

quando de noite me apuro


Pouco mais que o lusco-fusco

te acendo meu candieiro

que me serve de isqueiro 

para fumacear o pito

no meu colo um piazito

sopra contra a tua chama

e a china ajeita a cama

com meu lençol favorito


A noite boleia a perna

trazendo sonhos e sono

e vem ocupar teu trono

a lua cheia prateada 

e da tua chama apagada

da fumaça vem o cheiro

me relembrando candieiro

dos bailes na madrugada


Tu és a luz do meu rancho

rústico abajur campeiro

a tua chama candieiro

é  o reflexo da boieira 

das estrelas a primeira

que pra noite abre o caminho

te faz garantir sozinho

sobre a minha cabeceira 


Se eu me mudar pra o povo

te farei uma homenagem

vou te levar na bagagem

pra de ti não  ter saudade

e pra que tua claridade

esteja sempre comigo

pois quero estar prevenido 

se faltar luz na cidade


segunda-feira, 24 de abril de 2023

PELEANDO COM A SAUDADE

Por vezes na hora do mate

sem se anunciar na porteira

uma saudade caborteira 

me judia quando bate


Pela estrada do pensamento 

vem da querência que vim

se arrinconando em mim

num silente sentimento 


Mas não perco a paciência 

com o preço que ela cobra

pois quando o tempo me sobra

vou zunido pra querência 


Vou pra onde fui criança 

entre o carinho e a rudeza 

onde a alma ainda está presa

e onde a saudade se amansa

sexta-feira, 21 de abril de 2023

CHASQUE DA SAUDADE


A talha com sede

barriga vazia

o velho mulato

sentado dormia


No cocho o porco

esfregava a pança 

na gaiola a caturra 

fazia lambança 


Em riba do forno

o galo cantava

atenta no ninho 

a galinha chocava 


A pombinha catava

a boia do dia

o gato na espreita 

o rabo torcia


Na sombra estirado

o cusco pitoco

o velho machado 

cravado num toco


O fogo no cisco

fazia fumaça 

que o vento levava

num frete de graça 


Descansava a carreta 

sob o cinamomo

os bois ruminavam

com jeito de sono


Se rolando o cavalo

coçava o lombo

o canário amarelo

apropiava o porongo


Nos banhos de sanga 

a turma pelada

ninguém se queixava

da água gelada 


No chiqueiro a porcada 

com sede "grunia"

o velho mulato

sentado dormia


Recuerdos da infância 

de um piazito sagaz

envoltos em saudade

que um chasque me traz


quarta-feira, 19 de abril de 2023

RANCHO VAZIO



Uma tarde sombria

um ventinho frio

uma saudade quente 

o rancho vazio 


As horas se arrastam

de um jeito vadio

e o tempo ignora

o rancho vazio


O dia troteia

num cavalo "tordio"

enchendo de poeira

o rancho vazio


A perdiz se despede

propagando o pio

e o eco aproveita

o rancho vazio 


A noite se veio

o dia partiu 

a lua espia

o rancho vazio


A coruja se achega

num voo macio

tendo por mirante

o rancho vazio


Um galo cantou 

o tempo seguiu

da noite pra o dia

com o rancho vazio


terça-feira, 18 de abril de 2023

MOTORES DE PELO

Beija-flor, Marinheiro,

Diamante, Az de Ouro,

quatro tratores de couro,

que eu mesmo amansei 

e até o preço nem sei 

pois não penso em vendê-los 

esses motores de pelo,

quatro monarcas de lei.


Não dão alce numa canga,

tanto em coxilha ou banhado,

numa carreta ou arado,

nada deixo pra depois.

Com quatro ou de dois a dois,

toco a lida que me toca,

porque a vontade provoca

só ao olhar pros meus bois!


São crias desta querência,

do mesmo dia os machos,

três  deles criados guachos

e o outro ao pé  da vaca,

na garantia das patas,

com eles nada refugo,

tal qual os bois de sabugo 

na carretinha de lata.


segunda-feira, 17 de abril de 2023

O ABRAÇO DA SAUDADE

 Abri o armário do tempo

com a chave da saudade

e iniciei uma viagem

sem ter dado nenhum passo 

fui longe num devaneio

onde a infância então veio

me arroxar num abraço


Trouxe lembrança da casa

da escola e da gurizada

da primeira namorada

tudo num breve repasse

trouxe imagens desbotadas

que ficaram ofuscadas

com as lágrimas da minha face


Passei a chave de novo

girando agora ao contrário

pra que de dentro do armário

não me roubem as lembranças

pois quando bater a saudade

quero ter a felicidade

de me encontrar comigo criança


quarta-feira, 12 de abril de 2023

UM POSTAL DE SECA

Quase meio ano sem chuva 

nem sinal de uma neblina

até a velha cacimba

também fez racionamento 

com o sol e a sede do vento 

o banhadinho se foi

deixando o rastro do boi

qual uma fôrma de cimento 


A lavoura esborrachada

mais pra lá do que pra cá 

tristeza igual não há 

do patrão e do peão

dela depende o pão 

na mesa de cada um

é o sofrimento comum

sem avaliar posição 


Porém os velhos coqueiros

magrelos e escabelados 

pelo vento desconfortados

mantinham sua altivez 

o jacaré por sua vez

na lei da sobrevivência 

cambiou pra outra querência

fugindo da escacez 


As garças alçaram voo

"braceando" contra o vento

e um gavião mais que atento

patrulhava com o olhar

um corvo a revoar

tenteava algum bicho morto

e no capão o desconforto

do gado a se mutucar


Foi dura a tal peleia 

tudo ficou arrasado 

um cenário desolado

com a seca avassaladora 

enfim a chuva confortadora

veio pra matar a sede

trazendo de volta o verde 

e a salvação pra lavoura

segunda-feira, 10 de abril de 2023

GALPONEIRO

Uma nesguinha de sol

já  bem no final da tarde

lambia a quincha do galpão 

um ventito caborteiro

desinquietava o mulato

que tratava a criação 


Entrou e fechou a porta

foi dar um jeito no mate

pra mod'esquentar o peito

juntou tição com tição

abanou com o chapéu

e cevou bem ao seu jeito


Pediu licença pra o gato

que ocupava o cepo

e  ao pé do fogo sentou 

numa mão trêmula o palheiro

com a outra atirou o chapéu 

onde o gato se deitou


Muitos invernos viveu

e quantos outros viverá

só  Deus sabe até  quando 

curtido pela fumaça 

sob a quincha de um galpão 

vai vivendo e chimarreando 


A carapinha tordilha

sarapintada pela idade

formando par com a barbicha

é mais um dos galponeiros

que não vê passar o tempo

enquanto a vida se espicha


quarta-feira, 5 de abril de 2023

MEU NINHO

Meu rancho de fé

meu canto meu ninho 

entupido de carinho

do chão ao Santa-fé


Meu rancho plantado

no pé da coxilha

de tosca mobília

meu mundo encantado


Meu rancho do carreteiro

em panela de ferro

e do primeiro berro

de um piazito manheiro


Meu rancho conforto

das noites e dias

que nas horas vazias

mateio absorto


Meu rancho da velha cordeona

que alegra meu canto

e do acalanto

pra prendinha chorona


Meu rancho e abrigo

com fogo-de-chão

do aperto de mão

e do abraço no amigo


Meu rancho meu lar

sem trancas e tramelas

onde a Prenda da janela

espia eu chegar


Rancho que traz

passado e presente

divina vertente

de amor e de paz


Minha reverência

meu rancho meu ninho

humilde ranchinho

minha eterna querência