quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
NA ÂNSIA DO NATAL
terça-feira, 14 de dezembro de 2021
FIEL BRASINO
Rengueando e assoleado
seguia o cusco comigo
fiel parceiro e amigo
valente o bravo soldado
desde pequeno ao meu lado
se acostumou com meu jeito
e eu também lhe respeito
lhe corrijo mas adulo
e cá comigo calculo
o bem que já temos feito
Tamanho não é documento
é um pouco mais que nanico
com ele me identifico
mais de cincoenta por cento
quando mateio e me sento
faz meu pé de travesseiro
se espicha de corpo inteiro
num cochilo relaxado
um olho aberto o outro fechado
vai patrulhando o terreiro
Atende por Sapucai
nome que eu mesmo botei
ele gostou eu bem sei
é só atiçar que vai
e comigo quando sai
mesmo rengo não se mixa
dum toruno à lagartixa
se desdobra e não faz feio
e sabe bem parar rodeio
quando num amor se enrabicha
Dorme embaixo da escada
que tem na porta da frente
dando sinal quando sente
até uma alma penada
tem a orelha acanhada
resultado de peleia
por isto também rengueia
por ter aceito um desafio
no entrevero do cio
numa noite de lua cheia
E vamos peleando brasino
cada um na sua lida
com esperança que a vida
não nos deixe teatino
pois se Deus quis que o destino
nos juntasse meu parceiro
no nosso jeitão campeiro
dando conta do recado
não te faças de rogado
e venhas pra o travesseiro
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
REFLEXÃO
Tem que saber fazer melhor, para poder criticar.
Tem que saber melhor o que quer antes de decidir.
Tem que se ter fé para melhor rezar.
Tem que saber melhor agradecer, para depois pedir.
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
FIM DE LIDA
O dia perdeu o brilho,
naquela tarde de outono,
a noite chegou sem sono,
silenciosa e com cautela,
sobre a mesa quatro velas,
iluminaram o caixão,
onde o espírito do patrão,
lhes deixou de sentinelas.
Ficou um vazio na estância,
com a partida do patrão.
Sentido, o mais humilde peão,
os demais e o capataz.
A família se refaz,
na solidariedade de amigos
e na lápide do jazigo,
um epitáfio de paz.
Foi mui bueno o homem velho,
tinha um coração gigante,
tratava seus semelhantes
com carinho e com respeito,
pra tudo achava um jeito
sem cometer desagrado,
e lenço branco ou colorado,
davam-se bem no seu peito.
Quis o Patrão Celestial,
que ele fosse pra lá,
pois pelos pagos de cá,
sua missão fora cumprida,
rebenqueou a sua lida
pelos campos da existência,
repontando com consciência,
os afazeres da vida.
Com certeza hoje é uma estrela,
que se tornando cadente,
declina reluzente,
guiando a todos peões,
ou então pelos galpões,
ouça as prosas e faça rondas,
ou talvez seja milongas
dedilhadas nos violões.
Na moldura de um retrato,
sorridente e bem pilchado,
sempre será relembrado,
o homem simples que viveu,
seu espírito não morreu,
só deixou de ser patrão,
para ser um novo peão,
ou o Capataz de Deus!
segunda-feira, 27 de setembro de 2021
O CANTO DO SABIÁ
Nas andanças de retorno
pra querência que amo tanto
ouvi do sabiá o canto
ecoando entre as
pitangueiras
e a velha laranjeira
sentinela da tapera
sobrevivendo ao tempo
com ralas folhas ao vento
acenou pra primavera
Senti naquele momento
uma nostálgica emoção
e num ímpeto pedi perdão
pelos bodoques gaiolas e
arapucas
e reconheci minha culpa
num exame
pois foram coisas do piá
que ao caçar um sabiá
tornava-se um vitorioso
Rezei na velha tapera
onde caçou o piá
e no canto do sabiá
também ouvi uma oração
foi com certeza o perdão
que o próprio sabiá me deu
senti um alívio no peito
e o sabiá pelo jeito
ficou feliz como eu
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
INDO EMBORA A ENCHENTE
Foto de Eron Oliveira da Silveira |
as nuvens seguiram cheias
acumulando nas veias
o seu sangue natural
e o astro maioral
que há dias tava mesquinho
achou de novo o caminho
apesar do temporal
As águas foram baixando
indo embora a enchente
e o gado lentamente
desce pra várzea pastando
os quero-queros revoando
no tenteio de um petisco
e um pato picaço arisco
passa por longe se espiando
As garças parecem fracas
voando contra o vento
e com jeito de sonolento
um socó chega de viagem
refletindo a imagem
numa água represada
as marrecas enfileiradas
retocam a maquiagem
Um “ocalito” solitário
se espanejando ao vento
nas grimpas um carancho atento
aos caramujos do lagoão
e dentro de um valetão
cardumes encurralados
e um canarinho arranchado
na casinha “dum” moirão
E vai mudando o cenário
pra voltar tudo ao que era
e a várzea fica na espera
por um dia, dois ou três
quem sabe se até um mês
um ano ou mais um pouco
para que o rio fique louco
vindo pra ela outra vez
domingo, 5 de setembro de 2021
PORONGO
Rude utensílio campeiro
com verniz ao natural
faz parte do ritual
na ceva do chimarrão
e no aconchego do galpão
quando o tempo dá tempo
eu me refresco ou me aquento
contigo nas minhas mãos
Com goles de água quente
a tradição tu conservas
quando a infusão da erva
em teu bojo faz espuma
e a bomba se apruma
pra que a seiva chegue em mim
e eu sorva até o fim
o mate que tu me arrumas
Lá nos tempos de guri
te ajeitava pra um ninho
onde corruíras ou canarinhos
chocavam na primavera
e na saudosa tapera
com uma corda em teu pescoço
te mergulhava no poço...
"que água boa que era"
domingo, 29 de agosto de 2021
SANGUINHA
A sanguinha deslizava preguiçosa num espraiado de areia dentro do potreiro, logo na saída do mato.
Ali era "adonde" os animais se juntavam pra matar a sede, as garças e
os socós tenteavam os minúsculos lambaris prateados e a gurizada arrastava a
barriga na água rasa como se estivessem nadando no próprio oceano.
As cigarras ocupavam o espaço aéreo, qual pequeninos helicópteros. Às vezes se
perseguiam e disputavam o pouso na ponta de uma vara seca de alecrim.
Dentro do mato, na vertente, a cacimba junto a barranca, recebia os porongos
gulosos que borbulhavam ao engolir aquela água cristalina para depois
regurgitarem na gorducha talha que morava no canto da cozinha e dela para as
chaleiras e cambonas, para o feitio da boia ou ceva do mate.
A sanguinha ainda continua preguiçosa apesar da pressa do tempo.
terça-feira, 20 de julho de 2021
BAILANDO COM QUALQUER TEMPO
pros fundos tudo fechado
e uma portinha no oitão
num dos cantos o balcão
onde o trago era o consolo
pra um descorno ou rolo
com borrachos em comunhão
No outro canto as chinocas
retoçavam entre cochichos
na certeza que um cambicho
se achegaria de manso
o gaiteiro sem descanso
debulhava a botoneira
e as velhas alcoviteiras
bisbilhotavam no rancho
Com pouco espaço pra dança
tiravam as mesas pra fora
não se dançava de esporas
pra evitar algum dano
mais de cem bailes por ano
saíam com qualquer tempo
e o Zé Grilo sempre atento
de olho nos "Castelhanos"
Só lembrança resta agora
daquele divertimento
que foi no lombo do tempo
para os salões da cidade
e enquanto a sociedade
se moldou num novo estilo
a bailanta do Zé Grilo
morreu triste e com saudade
domingo, 11 de julho de 2021
LAVANDO A SAUDADE
Alguns meses se passaram
sem que pudesse ir lá fora
e hoje me mascarei
porque houve uma melhora
mas lambuzei as mãos no gel
se não a coisa piora
Enganchei no ombro a mala
com erva pra o chimarrão
charque pelanca e torresmo
pra caprichar um feijão
arroz café e açúcar
e farinha pra fazer pão
Quando cheguei na porteira
nem parecia verdade
mas meus olhos patrulhando
cada vez com mais vontade
foram derramando lágrimas
para lavar a saudade
Muitas folhas pelo chão
e muitos galhos caídos
meu rancho todo fechado
parecia aborrecido
mas quando abri a porta
fui saudado com um rangido
Tudo estava direitinho
conforme havia ficado
a não ser cheiro de mofo
e os trastes empoeirados
e teias de aranhas penduradas
como se fosse um bordado
Abri a porta dos fundos
dando alívio pra tramela
também dispensei as trancas
que prendiam as janelas
para que o sol e o vento
entrassem por todas elas
Me senti agradecido
naquele lugar bendito
de mãos dadas com a prenda
a contemplar o infinito
onde o ar é bem mais puro
e o céu mais que bonito
Outro dia irei de novo
para sair do sufoco
confinado em apartamento
periga se ficar louco
mas com a graça de Deus
tudo se ajeita aos pouco
segunda-feira, 5 de julho de 2021
LIDA NO RANCHO
Tomando conta do rancho
dona Preta leva a vida
e na rotina da lida
de mulher de peão de estância
sem pensar nas circunstâncias
que o destino lhe reserva
ceva no verde da erva
os mates da esperança
Na confiança de um bastão
volteia pelo terreiro
colhe flor no jasmineiro
pra mod' enfeitar a sala
pois o perfume que exala
lhe traz afáveis lembranças
dos namoricos da infância
com o mocito de pala
Na folhinha da parede
controla os dias do ano
matracando os seus planos
para a Páscoa e o Natal
e quem sabe afinal
como havia prometido
de convencer o marido
pra conhecer o Carnaval
Na moldura de um quadro
já quase da sua idade
a Santíssima Trindade
simboliza a devoção
e as calejadas mãos
na hora da Ave Maria
agradecem mais um dia
se unindo pra oração
Assim passa dona Preta
naquele rancho de paz
onde a vida se refaz
com as bênçãos do Pai Bendito
e no amor infinito
que nem o ciúme abala
aquerenciado no pala
do seu amado mocito
segunda-feira, 21 de junho de 2021
NO VIRAR DO MEIO DIA
Zumbia uma mamangava
num buraco do esteio
talvez fazendo um floreio
ou afinando a guitarra
quem sabe por ciúme ou farra
na hora do meio dia
abafar a melodia
estridente da cigarra
Meu cusco errava bocadas
numa mosca insistente
o cinamomo da frente
quieto não se balançava
a caturra lambançava
num idioma que é só dela
e na piscina de gamela
um leitão se refrescava
Este era o cenário
depois de deixar a mesa
onde até a natureza
cochilava naquela hora
hoje uma saudade aflora
vinda do fundo do peito
pedindo que eu dê um jeito
de ir pra sestear lá fora
sexta-feira, 18 de junho de 2021
FILÓSOFAS DA VIDA FÁCIL
Sai muita cobra e lagarto
num bate boca de china
faísca na gasolina
e chispa de busca-pé
é bem coisa de "muié"
numa peleia feminina
o manotear nas quilinas
bunda de fora e banzé
Um palavreado seleto
em forma de ladainha
inflama mais ainda a rinha
e os podres vem para fora
a mais nova sempre chora
com a explanação do currículo
expoente do ridículo
que a cada "elogio" piora
E assim segue o espetáculo
no picadeiro da rua
uma pelada e outra nua
olho roxo escabeladas
com mordidas e unhadas
falta de ar e cansaço
até ganharem o "abraço"
da Patrulha da Brigada
METIDO DE PATO A GANSO
Me entreverei de carancho
num surungo certa feita
e por causa da desfeita
vinda do dono do rancho
já tumultuei o farrancho
e engrossou a peleia
meu sangue ferveu nas veias
como um rio na enchente
e amacotei o vivente
com um tapão na "oreia"
Se veio a cupinchaiada
como alcateia de lobo
e pensando não ser bobo
peguei o rumo da estrada
mesmo assim uma paulada
me fez dano na paleta
rodopiei numa piruleta
com um cutucão no pescoço
dum nagão de berro grosso
já com a agulha na espoleta
Levei muquete e sopapo
da pinha ao fim da espinha
sentindo perder a rinha
mas botando fé no taco
e por baixo do casaco
me cocei pra fazer medo
não deu certo o enredo
apesar do meu esforço
quando veio mais reforço
chegando o chinaredo
Eu levantava e caía
caía e me levantava
senti que a coisa piorava
mi'adaga foi-se à la cria
meio tonto mas ouvia
hoje a pau eu te desmancho
me meter de pato a ganso
não foi um bom resultado
e se eu não for convidado
nunca mais vou de carancho
UMA PROSA DO PEÃO COM O SANTO
Santo Antonio arruma um jeito
de desencalhar este xiru
só não vem com tribufu
e nem velha pelancuda
que não seja surda e muda
nem coroa da cidade
pode ser de meia idade
boa de dança e ancuda
Há muito tempo comicha
certas partes do meu corpo
tu sabes que não to morto
e ainda dou os meus galopes
posso abrir um envelope
mesmo que esteja lacrado
e carrego bem espichado
e com pedra meu bodoque
Entre a lida e a farra
até nem vi passar os anos
já to mais pra veterano
mas tenho fé e acredito
não sou rico nem bonito
e sei que vais ter trabalho
para quebrar o meu galho
pra que eu não fique solito
Vê aí meu velho Santo
se posso ser atendido
se não estou sendo atrevido
e também vê se mereço
e se eu não te aborreço
nem te tiro a paciência
é só mandar a penitência
que eu te mando o endereço
NAS TIRAS DE UM CATRE
E na garupa do tempo
seu tempo passou
por muitos pagos distantes andou
um dia aqui outro acolá
deixando no tempo o piá
o velho chegou
Do tempo das changas
a lembrança nos calos
dos cabos e pialos
e a sova das lidas
nos olhos neblina
ao lembrar da china
pedaço da vida
A mala estufada
de muita experiência
caráter consciência
que muitos não tem
uns míseros cobres
na espera que sobre
o afago de alguém
De melena tordilha
e barba de geada
e a poeira da estrada
habitando o chapéu
nas tiras de um catre
aguarda o resgate
dos pagos do céu
quinta-feira, 3 de junho de 2021
NO SOPRO SUAVE DO VENTO
Depois
da lida me ajeito
pra
um chimarrão e um palheiro
fico
bombiando no terreiro
o
retoço da criação
e
a sombra torta do moirão
faz
me lembrar uma serpente
e
o Astro Rei no poente
ainda
lambe o galpão
Conto
causos pra mim mesmo
que
ouvi ou que invento
vou
longe nos pensamentos
que
até me perco nas horas
parece
que vai embora
minh’alma
num voo lento
no
sopro suave do vento
que
só existe aqui fora
No
último ronco do mate
e
o pito já pitado
levanto
meio de lado
e
vou ajeitando a carcaça
enquanto
o tempo esvoaça
e
um tico-tico canta
agradeço
a minha Santa
por
mais um dia de Graças
ÂNSIA DE BAILE
Ansioso
espero o sábado
pra
ir pro saracoteio
e
pra ver se me enleio
nas
tranças de uma chinoca
pois
o meu rádio provoca
e
eu carrego a bateria
quando
no programa anuncia
Baitaca
e o Fundo da Grota
Me
pego com a vassoura
e
saio espalhando o pé
vai poeira pro santafé
com a batida do taco
o suor do meu sovaco
escorre pela costela
e o cabelo da magrela
vai se desmanchando em
fiapo
Um passeio pelo galpão
pra firmar a andadura
e golpear aquela pura
que busquei lá no “lambique”
pra sábado manter o pique
matando minha coceira
entreverado na poeira
dando alce ao apetite
Vem o sábado com sala
cheia
copa farta e bom gaiteiro
deixa o vivente faceiro
que nem pinto na “quirela”
a lua vem na janela
espiar o “burburim”
talvez pra encontrar em
mim
o par pra dançar com ela
Como a noite fica curta
no vai e vem de um surungo
parece que até o mundo
arrodeia mais ligeiro
na fumaça vem o cheiro
da querosene no fim
mas aquela ânsia em mim
não termina por inteiro
Já pensando noutra volta
madrugada sigo o rumo
um dia sei que me aprumo
juntando os trapos com
alguém
morar longe e sem ninguém
não há cristão que aguente
porque solito um vivente
nem a sorte lhe faz bem
RECUERDOS E SAUDADE
Cedito ia pra escola
de calça curta e tamancos
atravessando os campos
ainda brancos de geada
com as orelhas geladas
o nariz roxo de frio
e floreando um assobio
com notas desafinadas
Um ventito sorrateiro
chamuscava minhas canelas
e numa prosa com elas
aligeirava os passos
abrindo mais o compasso
sobre a pinguela da sanga
e limpava o nariz com a
manga
na parte inferior do braço
Me juntava com outro piá
lá na casa do vizinho
magricela e mulatinho
meu amigo de verdade
estes recuerdos e saudade
brotam no meu pensamento
no conforto d’um
apartamento
no tumulto da cidade
E o mulatinho magricela
vive tranquilo por lá
com a mesma alma do piá
que me esperava na estrada
da escola não sobrou nada
além do aprendizado
do amigo e mano adotado
e as cartas da namorada