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quarta-feira, 11 de abril de 2012

A MOÇA DA VENDA



- "Olha gurizada, já que amanhã não tem escola, deixem os cavalos presos, se lavem pra jantar e ir pra cama mais cedo. No clarear do dia chamo vocês pra ir no moinho". Esta foi a sentença.

Jantamos e fomos deitar, porém ficamos cochichando até o sono chegar.
Acordamos com um - "tá na hora"!

Eu mais outro pulamos de pronto. O mais novo retoçou mas quando ameaçado de não ir junto, saltou num prisco.

Vestimos uma roupinha melhor, que na véspera havia ficado sobre uma cadeira, no quarto. Não era muito nova, mas bem limpa e passada.

Tomamos um café reforçado com boia de sal, pegamos uma mala de garupa com a merenda, mais os sacos e saímos. Eu levava um de arroz com casca, os outros dois, cada um, um saco de milho.

A cachorrada ficava atada pra não ir junto, já que tínhamos um bom trecho da estrada principal pra passar que era chamada de "Departamento". Era perigoso algum caminhão, ônibus ou outra fubica esmagar um cusco.

No caminho se juntou a nós mais dois guris da vizinhança. Um montava o Tordilho, outro a Tobiana, uma petiça pela qual tinha muito ciúme. Outro montava a Gauchinha. O mais velho ia na Vermelhinha e eu no Malacara, que era filho da Vermelhinha.

Quando chegamos no pedregulho, apeamos pra juntar pedra-cupim, nossa munição pra os bodoques. O mais moço ficou segurando os cavalos. Em passarinho a gente não atirava, principalmente em joão-de-barro, pomba-rola e coruja, esta última dava azar e acabava rebentando as borrachas.

Nosso alvo era a cabeça dos moirões, pendão de caraguatá, orelha de macaco das timbaúvas ou então atirar a esmo pra cima como pra mostrar a potência da "arma". Agora, se um gambá inventasse de cruzar na nossa frente, tava frito o comedor de galinha.

No caminho tinha uma picada onde um atolador botava banca na cavalhada. O mais velho ia na frente, seguido do menor montando a Tobiana, que era puxada pela rédea e assim por diante.   Até hoje existe o olho-de-boi, só que desviaram um pouco a estrada.

Mais adiante numa baixada era onde se dava água pros matungos. Uma sanga forte, de água limpa e no passador, bem rasa. Uma subida em curva e se chegava na estrada principal, o "Departamento", como já disse. Ali tinha que se ter mais cuidado com as conduções e as pedras nos cascos. Era o trecho mais demorado. Enfim, chegava-se no engenho.

O dono era um gringo muito especulador, perguntava tudo. Gostava de mexer com a gurizada, enquanto calava os sacos de milho com um calador pontudo em forma de cano. Depois colocava um punhado de grãos na boca e mastigava pra ver a qualidade do produto.

Enquanto o milho era moído e o arroz descascado, se aproveitava o tempo pra desencilhar e dar uma pastorejada pros bichos. O dono do engenho oferecia a venda, dizendo ter recebido balas deliciosas e outras guloseimas, no entanto, não se comprava nada, era muito caro. Estas e outras coisas a gente comprava noutra venda, que além de ser mais barateira era atendida pela filha do dono que era camarada, muito bonita de olhos graúdos.

Já na volta, parávamos no passo pra dar de beber, brincar e trocar provas da merenda. O que montava a Tobiana pegava da nossa, mas não dava da dele. Além de ter ciúme da petiça, era sovina.

A cruzada no atolador tinha um cuidado a mais. Colocava-se a moagem na frente, principalmente a farinha pra mode não cair no barro.

Por volta de duas e pico da tarde chegávamos em casa, nossa boia estava servida e guardada num armário, tapada com um pano de prato.

Assim era passado aquele dia com a ida ao moinho que tantas vezes se repetiu.

De tudo isso, ficaram lembranças e saudade, porém o mais importante é que casei com a moça bonita de olhos graúdos, filha do dono da venda.

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